Tive conhecimento d'O Guardião da Última Fada através da
página no facebook. Fiz a pré-venda sem saber ao certo quando chegaria, mas o livro estava em minhas mãos bem antes do imaginado. Acabei postando
uma foto no instagram e me surpreendi quando o autor me respondeu, é como dizem por aí, uma das partes mais legais dos livros nacionais é a possibilidade de você conhecer quem escreveu a obra, e quem sabe até sentar uma tarde para discutir ideias e opiniões! Estive acompanhando vídeos de músicas e covers feitos pelo Marcelo, e gostei muito disso. Pude notar a paixão dele pelo que faz, porque quando realmente amamos o que fazemos usamos todos os meios para transmitir ao mundo o que passa em nosso coração.
Eu imagino que ao lançar um livro ficamos na ansiedade de saber logo quais foram as primeiras impressões dos leitores, e isso foge totalmente do nosso controle, muitas vezes só saberemos essa opinião através de comentários rápidos, resenhas em blogs, ou estrelas e notas em sites de críticas. Mas estamos falando de alguém que já é macaco velho nessa história: Marcelo Siqueira e seu primo Gustavo Almeida lançaram o primeiro livro da trilogia o Príncipe Gato ainda em 2011, logo, esta é a quarta obra do autor.
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Bento de Luca é o pseudônimo utilizado por Marcelo Siqueira e seu primo Gustavo Almeida, que por sinal também está preparando a sua inauguração com uma obra solo: As Crônicas de Inian. |
Há um prefácio muito bacana feito pela
Renata Ventura, autora de
A Arma Escarlate, que define muito bem todas as sensações que o livro traz, desde as loucuras do País das Maravilhas, as batalhas de Nárnia e a trama amável entre o Pequeno Príncipe e sua pequena rosa.
O livro narra as aventuras de Enzo, um rapaz de quatorze anos que se pega preso em um mundo mágico com a árdua missão de ser o guardião de uma criatura que, de fato, mantém tudo funcionando, e ainda precisa protegê-la de monstros assustadores com uma fome voraz. Conforme a trama avança, você percebe que não se trata apenas de uma longa aventura atrás de um objetivo específico, é muito mais do que isso. Há inúmeros personagens nas mais diferentes ocasiões, você percebe nitidamente que há uma mensagem por trás de cada um deles, cabe ao refletir. A maneira como o herói se depara com cada criatura e o que eles acrescentam à jornada e ao seu amadurecimento é o que realmente importa.
"Não se pode ter pressa. A calma e a tranquilidade são elementos fundamentais na jornada.
O processo é lento. É um desenvolvimento a longo prazo." — sr. Lobeno, Capítulo 18.
Certa vez escrevi uma fanfiction na internet com um amigo conhecido. Duas cabeças trabalhando produzem mais, surgem ideias mirabolantes na medida que a dupla compartilha opiniões e decide o que fará bem para o roteiro ou não. Marcelo Siqueira comenta logo no início que o livro nasceu em 2010, quando já haviam concluído o primeiro Príncipe Gato e apenas aguardavam seu lançamento. De alguma forma senti que no começo haviam muitas ideias jogadas que não faziam muito sentido para mim, e talvez nem mesmo para Enzo, o jovem que subitamente tornou-se herói. Encaro isso como se o próprio autor crescesse com a jornada. Trabalhar sozinho parece ter lhe dado mais liberdade, Enzo cresce na medida que o autor também encontra novos desafios e percepções em sua vida, principalmente remetendo à questão de fazer escolhas (elas estão por todo lado em nosso dia a dia). A jornada tem um objetivo claro: salvar a última fada reunindo três essências, enquanto o herói é perseguido por criaturas malignas.
O ritmo é frenético, cada aventura nos leva a um local diferente e uma criatura nova. Achei incrível a ideia de buscar uma estrela, soa tão impossível, surreal e ao mesmo tempo fantástico! Apesar de demorar para pegar o ritmo no começo e de fato compreender esse universo, foi na segunda parte que eu definitivamente passei a entendê-la. Daí para frente, só tende a melhorar. Parece até que a ideias vinham sendo trabalhadas na mente do autor há anos, que só estava esperando o fim de sua trilogia em Marshmallow para reviver um universo que habitava sua imaginação desde criança. Não sou chegado em aventuras que só dão atenção para descrições exageradas com palavras sofisticadas e cenas de ação em excesso. Sempre adorei histórias que me falam mais do autor do que aparentam, uma das primeiras coisas que procuro em toda obra é: — O que levou o autor a escrevê-la? Até onde isso tudo reflete o próprio Marcelo? (Como, por exemplo, seu terror pelas aulas de química. Eu também compartilho disso, cara! *risos*)
Sobre Monstros e Criaturas
Percebo que uma das características do autores d'O Príncipe Gato é gostar de trabalhar com criaturas animalescas. Eu poderia até dizer que todas fazem parte de um mesmo universo que parte da mente deles, é como se tivessem criado um estilo próprio. O Imperador, um touro enorme apaixonado por uma doce sereia; sombras malignas em uma das melhores sequências do livro; bonequinhos suicidas feitos de bombas de chocolate; guerras sendo travadas e perdas que realmente nos fazem lamentá-las... Não existia barreira entre o bizarro e o sobrenatural nessas terras! É um mundo que habita fundo na mente de muitas crianças, jovens, adultos, e que em muitos casos deixou de existir. Perderam a chave que lhe dava acesso.
Nathalia Gomes, a ilustradora que também ajudou a dupla no terceiro volume do Príncipe Gato, fez um ótimo trabalho com a capa. Eu me pegava pensando o que seria a criatura com traços de um elefante, pensava tratar-se de um oráculo, e todos que me perguntaram da obra levantavam a questão:
— O que é essa criatura da capa? O autor fez um belo trabalho com os monstros, logo no começo fui surpreendido pelos tambores que anunciavam a chegada dos
Devoradores de Fadas. Achei inusitado uma capa com um vilão, eles de fato são os principais inimigos que podem ser compreendidos como toda a maldade e a vontade de destruição existente no mundo, conforme os interpretei. Não é fácil lidar com criaturas que andam ao som de tambores, soando como uma marcha rumo a destruição. Certa vez ouvi que nós tememos o que não conhecemos, como por exemplo o escuro, não sabemos o que existe lá. O terrível monstro Sem-Nome e os Devoradores puderam gerar uma tensão necessária para a perseguição que se desenrola, independente de haver uma mente maior por trás deles ou não.
Gostei muito do ritmo da jornada. Cada personagem que faz sua aparição vai dando espaço para que outro entre cena. As páginas nunca estão forradas com muitos personagens se trombando e conversando, transformando tudo em uma verdadeira salada como ocorre com muitos autores que não sabem controlá-los (exceto pelos esquilos, eu estava torcendo para que esses dois se afogassem, desculpe *risos*). Quando há apenas Enzo em cena é o momento que você tem para refletir, como na parte da incrível metáfora sobre a árvore, o tempo e a saudade.
Sobre a Última Fada
Algumas vezes senti falta de uma presença feminina na trama, mas as páginas finais compensaram com diálogos que demonstraram toda a paixão que alguém pode sentir, e que talvez até remeta à outras vidas, memórias antigas que nunca teremos acesso. Seriam as fadas a personificação de quem realmente amamos? Estaríamos prontos para ir até a torre mais alta e lutar contra dragões e demônios para salvar alguém que nos é tão especial? Acho que todos deveriam ter a chance de encontrar suas fadas, alguns não as reconhecem quando as veem, outros as deixam ir embora e nunca mais as encontram. Digo apenas que foi muito bonito.
Há um trecho singelo que há a menção de um dente-de-leão, bem discreto. Uma curiosidade é que os dentes-de-leão são vistos como ervas que possuem uso medicinal, mas muito amargas. Será que não poderíamos interpretá-las como o amor entre Enzo e sua fada? Ao mesmo tempo que esses dois passam por todos os conflitos para alcançarem um ao outro (a parte amarga), há também a parte da cura, que pode ser compreendida como a esperança. Ah, são pequenos detalhes que tornam tudo formidável, aposto que aquele dente-de-leão não estava ali por bobeira.
Há inúmeras questões de escolhas que assombram o jovem Enzo. Achei o final genial, não imaginava que eu poderia ser surpreendido de tal maneira! As páginas estavam chegando ao fim, e eu estava desesperada, havia muito a ser explicado. O acidente se conectando com tudo (que certamente não foi apenas um sonho, eu diria), e a forma como ele fica dividido entre ajudar os dois mundos e ficar para sempre com sua amada... Eu costumo brincar ao dizer que sou adepto à ideologia da
Era de Ultron, do novo filme dos Vingadores, ou seja, o mundo está condenado e todos deveriam ser exterminados. Simples assim. *risos* Isso levantou uma pergunta que não quis calar:
Se você pudesse decidir o futuro da humanidade, o que você faria? Por mais que Enzo seja um garoto de apenas 14 anos, será que se ele tivesse crescido mais um pouquinho teríamos um final diferente? Uma das principais frases do livro diz:
Confesso que muitas vezes acreditei que a melhor saída para o mundo era o fim. Será que teria sido melhor Enzo ficar com sua amada e ignorar os irmãos esquilos irritantes? Os que lutaram para protegê-lo na guerra? Os irmãos equinos de duas cabeças? A doce Amélia e sua gravatinha de borboleta? A filha da Sereia que um dia será tão linda quanto a mãe? Se essa escolha estivesse nas suas mãos, você faria o mesmo? Ah, muitas dessas respostas foram deixadas para os leitores refletirem e imaginarem o que vem depois.
Considerações Finais
O livro é extremamente rápido de se ler, pude terminá-lo em apenas dois dias. A escrita fluiu de maneira graciosa, a equipe da editora fez um bom trabalho com a diagramação, revisão e ilustrações; encontrei apenas dois errinhos de digitação que escaparam da revisão, mas que no momento me fogem à memória.
Se vai ter uma continuação ou não, então eu digo que aqui está uma daquelas obras que deixam inúmeras perguntas para trás, e que ao mesmo tempo não precisa resolvê-las. Há espaço para mais, mas só se o autor quiser. Vivemos um tempo de preguiçosos, gostamos de ter respostas de mãos dadas e fácil compreensão para não ficarmos pensando nelas depois, já que estamos sempre atolados de informações atiradas por todo lado e na constante busca por mais.
Creio que, pelo menos eu, por um tempo refletirei sobre o que li e senti em O Guardião da Última Fada. Talvez antes eu desejasse agir como um Ultron maligno que prefere exterminar todos para recomeçar do zero, mas agora penso em cada pessoa que fez parte de minha vida e acompanhou a minha jornada, e começo a hesitar. Acho que qualquer um hesitaria, é uma responsabilidade tremenda, as decisões são feitas, e se elas foram certas ou erradas, como viver com esse fardo?
Deixo apenas os elogios para este autor que no final da obra conseguiu me deixar naquela espécie de ressaca literária, de querer voltar para esse universo que o Marcelo abriu as portas e me emprestou a chave para que eu mergulhasse de cabeça nele. Senti-me em casa. Só não sei se voltarei tão cedo, mas acho que guardei um certo novelo de lã branco no quarto para me lembrar desses grandes momentos...