O Passado dos Personagens - Lesten (Parte 1)
Seus dedos coçavam e os pés
começavam a formigar. Suportar o peso todo daquela armadura não seria problema,
mas a ansiedade em ter seu nome chamado a qualquer momento era difícil de aguentar,
independente de quantas vezes já estivesse estado ali.
Cinco longas fileiras de soldados
se organizavam eretos e com disciplina diante do palco principal do Palácio Central.
Lagartos bípedes brandiam espadas, lanças e machados; seus elmos eram perfeitamente
desenhados para cobrir o nariz alongado e deixar uma pequena fresta para que os
olhos ficassem expostos como dois faróis. Batiam suas armas e equipamentos no
chão com euforia, tinham uma forma diferente dos humanos para comemorar suas
conquistas, pois aquele era um dia de vitória para os geckos. Lesten tinha
motivo de sobra para comemorar mais do que qualquer
outro — era uma conquista exclusivamente sua.
O barulho era tremendo e o brado de
seus colegas do exército ecoava como um grito de guerra. O silêncio reinou
instantâneo quando dois lagartos velhos subiram ao palco, ambos trajados com mantas
finas que se estendiam até o chão, sendo seguidos por um porta-bandeira que
carregava o símbolo da Fortaleza da Pedra Azul. Após um início de cerimônia
chato e maçante, foram feitos anúncios e agradecimentos em nome de todos ali
presentes. Finalmente chegou o momento das honrarias. O primeiro deles foi para
um gecko muito alto e encorpado com escamas azuladas, seu nome era Pyke. Aplausos
foram ouvidos diante de sua entrada, seu cargo já era notavelmente superior ao
dos demais e agora ele acabava de ser nomeado chefe da Guarda Real. Recebeu das
mãos de seus superiores um elmo com asas na ponta, característica marcante do
cargo junto da longa capa azulada com estrelas de prata. Bastava ver uma de
longe para saber que ali estava um guerreiro em grande posição de respeito.
Lesten
sentiu um dedo cutuca-lo na fileira de trás.
— O próximo
é você, irmão.
O lagarto
confirmou com a cabeça e respirou fundo.
— E agora, gostaríamos
de convidar o soldado Lesten para que venha receber uma medalha por sua bravura
e perícia na batalha pela defesa da cidade de Ribravos, estrategicamente posicionada
ao leito do rio, colaborando assim para a proteção de nossas mais importantes
torres de vigilância.
O
estardalhaço foi tamanho que os oficiais tiveram de pedir que os soldados se
comportassem, mas era difícil de segurar. Lesten era conhecido e adorado por
todos os seus colegas, estava sempre presente nas
confraternizações e era o primeiro na linha de frente a avançar e enfrentar o
inimigo. Wester não tinha nem de perto a mesma fama,
mas era a mente por trás de ótimos planos e estratégias, sua habilidade com uma
espada o tornava uma ameaça a ser considerada. Não havia um gecko sequer que
não conhecesse os Irmãos do Vento, onde espada e lança se encontravam.
O lagarto
estufou o peito, empinou o nariz e foi seguindo pelo corredor que lhe fora
aberto. Ainda podia ouvir seu irmão batendo palmas logo capatrás. No caminho,
recebia congratulações e tapas fortes na ombreira, répteis por toda a parte
comemoravam sua vitória. Estava dando um grande passo em sua carreira.
— Meus
parabéns, meu bom amigo — disse-lhe Pyke.
— Obrigado,
capitão! — Lesten respondeu convicto, em seguida, murmurou baixinho perto de
seu superior: — Só espero que você ainda possa participar de nossas
confraternizações, seu lugar na taverna estará sempre reservado.
Terminada a
cerimônia, Lesten voltou para o meio da multidão. O palco de apresentações
localizava-se na área central da fortaleza onde todos se misturavam. Os geckos
treinavam no leste, os humanos no sul, tótines a oeste e monstros no norte.
Cada raça limitava-se à zona que lhe fora delimitada, pois nem toda criatura
daquele reino gostava de misturar-se. Logo começaria uma cerimônia para os
humanos, e aquilo de pouco lhe importava.
Wester o
aguardava de braços cruzados, sentado embaixo do arco de pedra na transição
entre as cidades. Ele e seu irmão eram muito parecidos, quando inventavam de
misturar suas técnicas e armaduras ficava difícil de diferenciá-los no meio de
uma luta, era como se fossem um só. Naquele dia, Wester usava uma armadura leve
e móvel, além da fita vermelha presa ao braço direito, uma de suas maiores
características.
— Bela
medalha — falou o mais novo, apontando para o objeto dourado no peitoral da
armadura de Lesten.
— Mais uma
para a coleção. Já posso encomendar uma estante nova — divertiu-se o lagarto. —
Mas, cara, entre nós agora... Tu não achou sacanagem terem te deixado de fora?
É sério, quase que faço um discurso para reclamar disso. Qual é, somos os
Irmãos do Vento, não se pode presentear um sem levar o outro de brinde.
— Dá um
tempo — Wester falou, levantando-se. — Foi você quem fez tudo dessa vez, eu só
fiquei na retaguarda. E bolei o plano inteiro.
— Se eu não
soubesse que tu estava atrás, eu jamais avançaria.
Os dois irmãos
seguiram juntos, desfilando pelas ruas de pedra azul. Soldados acenavam com
cumprimentos no caminho, Lesten se sentia como um herói que era.
Ao chegarem
aos dormitórios, Wester pegou a espada e seu irmão jogou-lhe sua lança, ambas
as armas foram guardadas no pedestal até que seus serviços fossem mais uma vez
requisitados. Ocasionalmente, trocavam seus equipamentos, pois não tinham
preferência.
Lesten foi
para a sala, onde havia um enorme quadro de medalhas na parede, todas
perfeitamente protegidas por vidro e envoltas por um tecido vermelho que
enaltecia seu brilho dourado. Havia precisamente dezesseis delas ali — agora
dezessete —, das mais diferentes missões e tarefas realizadas nos últimos dois
anos de serventia ao Reino de Sellure. Se continuasse naquele ritmo, logo uma
parede não seria o suficiente.
— E aí,
irmão. O que tu acha? — perguntou Lesten.
— Brilhante
— respondeu Wester com sinceridade. — Poderia até cegar alguém.
— Tem como
não sentir o impacto e a presença que essas coisinhas nos causam? O que tu acha
que diferencia um soldado comum de um general do mais alto escalão? São essas
medalhas, cara. O peito estufado, a compostura, o sentimento de quem merece
estar ali, liderando as pessoas.
— E você
acha mesmo que uma medalha é capaz de fazer tudo isso? Não viaja.
—
Exatamente! Que parte tu não entendeu? A medalha é uma memória, ela representa a
experiência que alguém passou para conquista-la, embutida com todo seu esforço
físico e espiritual — Lesten explicou. — E afinal de contas, onde estão as
suas?
Wester deu
de ombros, insinuando que aquilo não fazia muita diferença.
— Qual é,
tu tem vergonha das suas?
— Claro que
não. Eu só não vejo motivo para ficar tão fissurado com uma chapa de metal
pintada de amarelo. Não preciso deixa-las a mostra para me lembrar dos meus
feitos.
Lesten
mordiscou a medalha para ver se seus dentes deixariam alguma marca, comprovando
assim sua autenticidade.
— Essa é de
ouro mesmo. Não é pintada de amarelo.
Wester tentava
não demonstrar, mas frequentemente era deixado na sombra do mais velho. Apesar
do título “Irmãos do Vento”, somente um deles era o verdadeiro sucesso, a
imagem da bravura em forma física, o lendário Lesten. Wester só estava ali para
erguê-lo no alto quando conquistassem mais uma vitória.
Lesten decidiu
fazer-lhe uma surpresa. Pegou uma caixa de madeira escondida debaixo no armário
e a revirou em cima da cama, espalhando uma porção de itens e coisas sem valor
para a maioria, mas que para eles era o tesouro mais precioso que poderiam
encontrar.
— Eu não
acredito que você guardou tudo isso — Wester vasculhava aquelas raridade com o
entusiasmo de uma criança. — Caramba, a primeira ponta de flecha que te acertou
na perna!
— Aquilo
doeu pra porra.
— A
primeira garrafa de uísque que tomamos juntos — Wester continuou. — E com
assinatura!
— O fóssil
que encontramos perto do Monte Rocha Sólida.
— A escama
do maior peixe de água-doce do reino.
— O dente
de um crocodilo selvagem. Ou será que esse era meu?
Os dois
riram, pois agora eram como pesquisadores que fazem uma incrível descoberta.
— Cara,
isso é incrível... — falou Wester, não encontrando palavras para definir o
quanto aqueles objetos eram importantes para ele. — Mesmo depois de todo esse
tempo?
— Quando eu
digo que não sou nada sem você, eu não estou mentindo — Lesten forçou um
sorriso, não escondia que também adorava a parcela mais peculiar de sua
coleção. — Para a maioria, pode parecer apenas um monte de tranqueiras, mas eu
sou um colecionador de memórias. Cada um desses itens significa alguma para nós
dois. Ah, mas o que eu queria te mostrar mesmo era isso.
Wester
reconheceu imediatamente a tampinha de garrafa. Quando ainda eram filhotes, um
dia desafiou Lesten a acertar o alvo em uma árvore velha. A pontaria foi
perfeita: ao invés da árvore, ele acertou um javali selvagem que passava por
perto e garantiu o jantar da família. Wester se viu na obrigação de arranjar
alguma forma de retribuir, se seu irmão era tão fissurado por medalhas, então
ele fora o responsável.
— É a minha
favorita — respondeu Lesten, observando a tampinha contra a luz, como se ela
fosse banhada em ouro. — A melhor medalha de todas foi feita com uma tampinha
de garrafa.
— E por que
não está junto com as outras?
— Ah, sabe
como é... Ela ficaria meio deslocada no meio de tantas douradas.
— Sei, sei.
Naquela
noite, enquanto jantavam, puderam ouvir alguém na porta. Wester foi atender e
deparou-se com Pyke, o mais novo chefe da guarda real. Ele estava trajado em
sua armadura completa, vestia o elmo e o manto azulado, carregava também um
enorme escudo com o símbolo dos geckos e a lança de prata recém-forjada.
— E então?
O que achou?
— Incrível,
capitão. Muito elegante.
— Obrigado.
Pena que pesa demais, provavelmente porque agora não posso mais ficar no campo
de batalha e preciso me concentrar na torre. Acho que vou sentir falta de
nossas aventuras — disse Pyke. — O Lesten está?
— Não é
como se eu pudesse me livrar dele tão cedo — Wester respondeu com uma risada.
Lesten
aprontou-se rapidamente e saiu na companhia de seu superior.
Os dois se
afastaram até alcançarem o terceiro andar da torre que dava visão para a ala
norte da Fortaleza da Pedra Azul, em direção das montanhas. Aquela era uma das
maiores e mais poderosas capitais de Sellure, nela residiam alguns dos melhores
guerreiros já treinados, além de ser a morada do Rei e do Conselho da Matiz.
Foi o palco central da Guerra das Espadas, um dos marcos da história de
Sellure.
— Agora que
farei parte da guarda real, minha rotina vai mudar — concluiu Pyke.
Durante
anos fora o capitão do pelotão, mas seus soldados vinham ganhando destaque e
não poderiam ficar sem um líder agora que fora promovido.
— Vamos
sentir tua falta, chefe. A zoeira nas tavernas nos fins de semana nunca mais
serão iguais — disse Lesten com uma risada.
— Não fale
como se nunca mais fôssemos nos ver. A única diferença é que agora meu dever requer
maior responsabilidade, mas continuarei servindo como eterno mentor e amigo.
— Agradeço
o voto de confiança. Vamos comemorar qualquer dia desses!
— Pois bem,
agora ao que interessa. Eu gostaria de fazer-lhe uma oferta, Lesten, e tenho
certeza que não irá me decepcionar. Preciso que assuma meu lugar como capitão
no pelotão. Você se tornará responsável por todos seus companheiros.
Seus olhos de
lagarto se esbugalharam, estava incrédulo. Recebera honrarias e uma promoção no
mesmo dia, em menos de dois anos no exército após ter sido enviado da academia
e já alcançava um posto invejável.
— Você é
habilidoso tanto com uma espada quanto com a lança. O povo gosta de você porque
os faz sentir-se seguros através de bom humor e coragem. Não há ninguém melhor
e de maior confiança para assumir meu lugar.
Lesten
apoiou os braços no encosto da janela e respirou fundo. Eram muitos elogios
vindo de alguém que tanto respeitava. Seu ego já estava mais inflado que o de
costume, mas reconhecia que precisaria analisar a situação com cuidado.
— E quanto ao meu irmão?
Pyke meneou
a cabeça.
— Por mais
que ambos tentem liderar, você sabe que no fim das contas um sempre acaba por
se esforçar mais e merecer o crédito. Wester é um guerreiro ardiloso, mas
falta-lhe... ousadia. Ele não arrisca o suficiente — concluiu Pyke, antes de
dar aquela noite como encerrada. — Minha oferta é única e exclusivamente para
você. Pense a respeito.
i
A semana
seguinte começou com outra cerimônia e a experiência repetiu-se: Lesten foi
recebido com aplausos — o mais novo capitão dos geckos! Apesar de pensar que
seu irmão ficaria amargurado por sua decisão, devia ter se enganado, Wester é
quem mais o apoiou e comemorou a vitória.
A primeira
decisão de Lesten foi colocar seu irmão como comandante, em sua ausência, era
ele o responsável pelas tropas e a ordem. Ainda eram os Irmãos do Vento.
Nas missões
que seguiram, Lesten comprovou sua ousadia. Hordas de monstros eram frequentes
arredores, suspeitava-se do ressurgimento de uma ameaça nas montanhas ao sul de
Constantia. Após o enforcamento de Rudsi no Castelo Escarlate, diziam que um
fantasma intitulado Peste Negra seguiu o legado dos Três Soberanos, buscando
reacender a chama da guerra. Fosse ele homem, monstro ou fantasma, sabia-se
apenas que vinha construindo um exército em algum lugar desconhecido, em
completo segredo, tirando o sono dos altos oficiais e do Conselho que precisava
exterminar tal ameaça.
Naquele mês,
houve uma fatalidade. Cerca de cem soldados humanos que eram transferidos da
academia mais próxima foram pegos em uma emboscada e não chegaram ao seu
destino, causando discórdia entre o povo a respeito da segurança das bases e
dos novatos que sequer começaram o treinamento para a guerra. O grupo
desapareceu quando atravessava uma região rochosa próxima ao Lago Fantasma,
evitando a floresta onde fora avistada atividade inimiga. Aquela zona era
evitada por abrir oportunidades para investidas em sigilo, era impossível dizer
o que existia entre a neblina espessa e suas águas profundas.
Um grupo de
soldados do pelotão se reuniu numa taverna enquanto discutiam o ocorrido. Wester
estava entre eles e não se conformava.
— Se os
humanos foram idiotas o bastante para atravessarem aquela área, não me
surpreende que tenham caído em uma armadilha — disse um dos soldados. — Eles
não foram feitos para escalarem montanhas ou conviverem com a natureza, seu
corpo não foi adaptado para isso, só funcionam efetivamente em zonas fechadas!
— Mas nós
devemos ajuda-los — retrucou Wester. — Investigar, reunir reforços, pode haver
sobreviventes! Sei que não somos da mesma raça e muitas vezes tivemos
desavenças com os humanos, mas estamos do mesmo lado nessa guerra, eles
precisam de nós!
— Se um
lagarto sequer corresse perigo, tenho certeza que todos voltaríamos para ajudar
— falou um segundo.
— Eles eram
tão jovens, ainda me lembro de quando fui selecionado — ponderou outro,
sentindo-se profundamente amargurado. Nunca gostara de humanos, mas também não
desejava mal a eles.
Wester
bateu na mesa e ficou de pé.
— Vamos
reunir nossos melhores homens e patrulhar a área — afirmou com convicção —,
tenho certeza que se descobrirmos qualquer pista, será uma ajuda bem vinda. Geckos
são ótimos rastreadores, é o nosso trabalho e não somos pegos desprevenidos com
tanta facilidade.
— Ninguém
vai a lugar algum.
A atenção
dos demais integrantes dirigiu-se ao capitão que entrou na taverna e sentou-se
sozinho no balcão, pedindo duas canecas de chope. Lesten geralmente era alegre
e gentil, adorava entrar chutando a porta e seu primeiro pedido era que
aumentassem a música e começassem a cantoria, mas, naquele dia, parecia que o
desgaste vinha prevalecendo.
Ele
levantou-se, levou uma das canecas até seu irmão e sentou-se ao seu lado.
— É
impressão minha ou você estava organizando um ataque, comandante? — Lesten o
testou.
— Eu estava
apenas comentando os boatos, capitão — respondeu Wester.
— Pelo que
eu saiba, nós não recebemos nenhuma ordem de nossos superiores. Esses humanos
provavelmente já estão mortos.
Lesten
tomava sua bebida quando foi interrompido:
— Você é o
superior agora, você decide as coisas. Quando finalmente nos tornamos mais do
que meros soldados, viramos capachos do Conselho? Quando foi que o grande
Lesten obedeceu a ordens de alguém? Quando foi que começou a tentar falar certo
só para passar uma impressão? Quando foi o que meu irmão negou um pedido de
socorro dos necessitados?
Lesten
olhou bem nos olhos de Wester.
— Minha
decisão é que todos vocês parem de discutir essas ideias loucas e voltem para
suas casas. Nós não temos nada a tratar com humanos. A diversão terminou.
Era a
primeira vez que a confraternização terminava antes da meia noite. Os demais
soldados levantaram-se e deixaram a taverna, os dois ficaram a sós. Lesten
continuou a beber tranquilamente, fingindo não ver Wester que cerrava os punhos
prestes a soltar o que não devia.
— Como pode
ser tão egoísta?
— Eu só
estou me preocupando com a segurança dos meus homens — respondeu Lesten. — Inclusive
a sua.
— Pois
parece o oposto! É como se tivesse esquecido que somos irmãos, agindo como um
capitão idiota que só gosta de mandar. Cadê as suas medalhas de ouro? Por que
não anda com todas elas presas no peito, seu idiota?
Lesten
ergueu seu braço, mas acabou por derrubar a caneca de Wester, que agachou no
chão para limpar a sujeira. Enquanto esfregava o piso sólido e úmido, o lagarto
não pôde deixar de comentar:
— Eu só
queria o meu irmão de volta...
Lesten ficou
muito triste ao ouvir aquelas palavras, mas também não encontrou uma forma de
retribuir.
— Ele tá
bem aqui, cara... Tá bem aqui. Pode ser meio difícil para você ver, mas sei que
está em algum lugar. Desculpa, parceiro. Só estou tentando fazer o que parece certo.
— Não tem
problema. Relaxa. Salvar humanos, que ideia idiota. Eu nem sou um herói.
Wester saiu
da taverna, deixando o capitão sozinho com seus pensamentos no silêncio.
Durante a
madrugada, Wester provou seu lado mais imaturo e impulsivo — reuniu quinze lagartos
de seu grupo que concordaram em segui-lo, eles começariam a rastrear
imediatamente os humanos desaparecidos e voltariam quando tivessem alguma
posição. Quando Lesten tomou conhecimento do ocorrido, ficou furioso. Inimigos
estavam à espreita por toda Constantia, e no momento que mais precisavam de
cautela, seu irmão agia de forma imprudente.
— ...mas eu
mato aquele desgraçado! Como é que
pôde ser tão cabeça dura? — Lesten gritava para quem quisesse ouvir, batendo na
mesa e derrubando peças, torres e miniaturas de soldados pelo mapa. Outros dois
capitães ficaram em silêncio, mas Pyke conhecia a figura.
— Tente
manter a calma por hora — sugeriu Pyke. — Não vá agir com impulso semelhante e
fazer alguma besteira. Já basta uma. O Conselho não vai ficar nada contente.
— O
Conselho que vá à merda! Eles não ligam pra soldado nenhum. Acha que aqueles
velhos de roupa brega se importam com os humanos que morreram? É numa hora como
essa que eles vão ter certeza de quem está obedecendo a suas ordens, não duvido
nem que isso faça parte de um plano!
— Pare de
dizer bobagens, Lesten. Você precisa esfriar a cabeça.
— É.
Preciso mesmo.
O lagarto
terminou de chutar uma mesa e quebrar uma cadeira quando enfim saiu do alojamento.
— Aonde
pensa que vai? — Pyke perguntou.
— Sei lá,
esfriar a cabeça, você mesmo falou... Não me procure nos próximos dias.
— Não vá fazer
nenhuma besteira.
— Besteira,
eu? — Lesten o desafiou com ironia. — Não me faça rir.
Se Wester
era conhecido por ser o mais sensato da dupla, então Lesten tinha fama pela
ousadia. Nunca ficaria parado, nem esperava que seus superiores liberassem um
pequeno grupo que marcharia lentamente em busca de seu irmão para depois voltar
sem respostas. Jamais lhe concederiam o aval.
Foi
correndo pegar sua lança nos dormitórios quando percebeu que ela não estava lá,
provavelmente seu irmão já a levara, por isso teve de ficar com a espada.
Dispensou a armadura pesada por uma leve e de fácil manuseio. Não iria representando
o exército, mas sim, como um caçador. Estava na hora de colocar suas
habilidades e perícias de lagarto para funcionar.
Lesten
partiu quando o sol ainda nem tinha nascido. Deixou a Fortaleza da Pedra Azul e
cruzou o rio até alcançar a área rochosa onde o ataque ocorreu, preferindo dar
a volta até as vias cruzadas que separavam a região de Constantia, Myriad,
Helvetica e Perpetua. Farejou o ar e estudou o chão, concluindo que uma tropa
de geckos passara por ali. Eles rumaram para o sul.
Procurava
manter-se sempre silencioso, quando alcançou uma zona montanhesca onde a
temperatura começou a cair e suas habilidades motoras foram prejudicadas.
— Cara,
como eu odeio frio — reclamou o lagarto, tendo apenas uma pele de urso que
caçara para abrigar-se. Geckos eram conhecidos por ter o sangue frio, lutar em
temperaturas quentes ou frias ao extremo afetava, e muito, seu desempenho.
Quando
alcançou uma floresta de árvores secas, ouviu certo movimento na estrada.
Escondeu-se atrás de rochas cinzentas e estudou o local, notando um grupo de
monstros que acampava ali. Era uma espécie que não tinha nome, conhecidos
apenas como marionetes ou espantalhos, pois tampavam o rosto com sacos,
máscaras ou elmos de ferro que roubavam de suas vítimas. Suas armaduras inteiras
eram espólios de guerra, sempre que matavam um inimigo eles vasculhavam seus
pertences até encontrar algo de interesse para usar como proteção. Lesten notou
que havia muito do material que os geckos utilizavam, desde espadas e escudos
até ombreiras rachadas e manchadas de sangue verde; mas sua atenção foi para a fita
vermelha que um deles usava preso a uma lança — a lança do seu irmão.
Reagindo
aos instintos, Lesten pulou e atacou o pequeno grupo de criaturas. Os monstros
foram pegos de surpresa e tentaram revidar, mas falharam miseravelmente.
Estavam cansados e aparentemente já tinham sofrido perdas, sem contar que não faziam
parte de um exército treinado, tratava-se apenas de um grupo selvagem.
Dez deles
não foram páreos para a habilidade de um gecko. Lesten poupou três para um interrogatório.
— Onde
conseguiram esses espólios?
O monstro
não sabia falar. A maioria não conseguia. Lesten cortou sua garganta lentamente
até ele ficar imóvel como um pedaço de madeira. Tais criaturas não sangravam,
elas simplesmente se desfaziam como se fossem feitas de palha.
Em seguida
foi para o próximo, repetindo a pergunta:
— Onde
conseguiram?
O segundo
também não soube dizer, ele soltava apenas murmúrios e por isso teve o mesmo
destino. Quando chegou ao terceiro, este tentou movimentar sua boca torta com
ares de pânico:
— Geckos!
Nós enfrentamos. Sacerdote levou. Recompensa. Espólios! Espólios!
Lesten meneou
a cabeça, satisfeito com a resposta. Mesmo assim, cortou a cabeça do monstro que
se desfez em sua frente.
Antes de
partir, recuperou a lança e amarrou com cuidado a fita vermelha do irmão para
devolvê-la quando o encontrasse.
Eu não sei porquê, esse especial deu-me um profundo sentimento de nostalgia. Talvez devido ao género de enredo ilustrado, era típico em muitos desenhos animados da minha infância. Adorei!
ResponderExcluirHey, Shii! Que bom que gostou, sempre me divirto trabalhando nos especiais do passado dos personagens, é uma boa chance para explorar alguns mistérios do livro sem precisar me preocupar com o número de páginas. Na Parte 2 provavelmente você não terá mais esse sentimento de nostalgia, o Lesten vai acabar se envolvendo em uma situação bem complicada kk
ExcluirGostei bastante meu chapa! Desculpa aí não comentar mais cedo, é que esses dias a internet tava péssima, conectava, abria uma aba e aí travava, aí logo depois de voltar ao normal já era uma semana de provas, que foi chata pacas! Mas eu fui bem e isso é o que importa.
ResponderExcluirO que mais achei legal é que tipo, o Lesten era fodão, aparentemente, e depois virou um ***** para os outros, é... Ele foi pego nas pegadinhas da vida...
Nem se preocupe com a ausência parceiro, eu também estava numa correria louca aqui com mudança e tudo o mais, nunca carreguei tanta caixa kk Acho que até demorei um pouco mais do que gostaria para trazer a Parte 2, mas aqui está, vou ver se corro também pra preparar algumas novidades pro livro. Tô ansioso esperando a resposta de uma editora, acho que agora vai, hein? kkkk
ExcluirO Lesten realmente parecia outra pessoa né, de um capitão respeitado para um zé mané encrenqueiro que ninguém quer ter por perto kk Espero trabalhar duro na evolução do personagem, quem sabe o destino e a vida possam tragam alguma reviravolta!