Quando eu sair por aquela porta... [Support]
Quando eu sair por aquela porta...
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Conversation [Auria e Courtney]
Gênero: Drama;
Tema: Banheiras
e o passado de Courtney;
Sugestão da leitora: Shii.
Notas do Autor:
Há alguns anos uma amiga me pediu para escrever um especial que mostrasse como a amizade entre o grupo da Auria é divertida e respeitosa. Àqueles que ainda não conhecem os personagens, eles são introduzidos no Vol. 2 de Matéria – Alma de Diamante que nem foi lançado, mas mesmo que você ainda não saiba quem eles são, esse capítulo pode ser uma oportunidade bacana de conhecê-los. Apesar de a ideia original ser que ele fosse voltado para a comédia e até um pouco de ecchi com fanservice de sobra, acabei sentindo que era a chance perfeita de explorar mais sobre o passado da Courtney, e aí a ideia tomou um rumo que eu não imaginava. Por isso, deixo aqui o aviso de que pode conter alguns gatilhos sobre abuso, então leia com cuidado. De resto, espero que se divirta, e também reflita. Como sempre, que cause um amontoado de sensações!
A chuva piorou e agora
as violentava com força incessante. Auria e Courtney corriam
às pressas em busca de algum abrigo entre as ruelas estreitas da capital. As chuvas torrenciais eram intensas durante o verão
e logo não havia mais nenhum rastro do calor quente e aconchegante de horas
atrás, apesar da certeza de que aquele clima desagradável também iria passar.
Suas roupas estavam encharcadas até os sapatos. Não
deviam ter se desviado tanto de seu percurso, mas
Courtney era a culpada por parar em toda e qualquer loja pelo caminho —
primeiro em uma de pingentes, acessórios, chapéus exóticos e por último a
sorveteria antes de fechar. As duas garotas se abrigaram debaixo de uma
construção baixa com o teto em forma de cúpula na praça, aguardando que o tempo
desse sinal de melhora. Ainda estavam a pelo menos vinte minutos de caminhada
até seu dormitório nos limites da fortaleza.
As duas se entreolharam ensopadas, morrendo de frio,
e agora rindo sem parar. A maquiagem de Courtney estava toda borrada e os
cabelos de Auria pareciam um porco espinho selvagem quando mexidos. A morena deu uma espiada por
cima do ombro e notou que Courtney tentava tirar a água de sua camisa que
estava levemente transparente, deixando à mostra o sutiã azul-bebê com
rendinhas. Corou de nervoso, retirou a própria jaqueta e cobriu-a para
protegê-la do frio.
— Ah, obrigadinha. Mesmo molhada, assim fica bem mais quentinho — agradeceu Courtney, encostando o
rosto na jaqueta. — Ainda dá pra sentir o seu cheiro.
Elas ficaram bem perto uma da outra para se
aquecerem. De repente suportar aquela chuva não lhes pareceu tão ruim.
Mas a paciência se esvaia lentamente, e logo descobriram que sorvete não sustentava o estômago. Estava escurecendo e os
postes começaram a ser acesos nas ruas; àquela hora Henry devia estar
preparando seu ensopado de lentilhas com bacon delicioso; se
dessem sorte, teria também um balde cheio de pipoca para passarem a noite inteira
conversando e fofocando sobre a vida alheia.
Auria virou-se aturdida
quando notou que Courtney tocou seu rosto de leve, seus dedos deslizaram
próximo aos lábios dela.
— Pronto — disse
Courtney, lambendo os beiços. — Você estava com uma manchinha de sorvete. E
pelo gosto era brigadeiro.
Auria a surpreendeu com um beijo repentino que fez
Courtney derreter por dentro.
— E o seu era de
morango.
Ainda atordoada e com
as bochechas coradas, Courtney levantou-se num salto para olhar os arredores.
Não havia ninguém na rua e a chuva não dava sinais de que iria parar.
— Quer dar uma
passadinha em casa? — ela sugeriu.
— E você tem casa? —
Auria perguntou intrigada.
— Óbvio que tenho, sua
boba. Pensou que eu morasse numa caverna antes de entrar no exército? — disse
Courtney rindo. — Eu acho que minha mãe ainda não voltou do trabalho à uma hora
dessas, então temos meia horinha para dar um pulo lá, nos secarmos e colocar
roupas limpas. Ainda tenho as chaves, mas vai ter que ser bem rápido porque não
quero que ninguém me veja lá.
— Você é quem manda.
— Eu amo quando você me
deixa no controle.
As duas saíram
apressadas por entre os pingos gelados, a casa de Courtney era tão perto
que realmente dava para enxergar o telhado. Localizada na zona dos humanos, era
um sobrado apertado entre tantas outras casas idênticas em um bairro pobre da
região. Precisaram entrar pelo quintal nos fundos, porque a tranca na frente
havia sido trocada.
O interior era abafado
e ainda mais estreito, com um longo corredor escuro que dava para outros
cômodos menores. Só se escutava o barulho dos pingos lá fora.
— Vou pegar toalhas e
trocar de roupa rapidão — falou Courtney. — Só não falo pra você se sentir à
vontade porque, bem, já tem um tempo que eu não moro aqui.
Auria se moveu pouco e
mal saiu da entrada. Tinha a impressão de que de alguma daquelas portas sairia
um monstro assustador prestes a devorá-la. Sempre tivera curiosidade em
conhecer a família dela, mas preocupou-se com o que via e não soube dizer como
alguém tão alegre como Courtney poderia ter vivido tanto tempo trancafiada naquele
lugar escuro e denso.
— Prontinho! — disse
Courtney, vestindo um camisetão largo que lhe caía como um vestido. Ela ainda
usava a jaqueta que já estava completamente seca, como se possuísse alguma
propriedade mágica impermeável. — Aqui estão as toalhas. Vou só dar uma
espiadela na geladeira, porque minha mãe costumava fazer uma gelatina de frutas
deliciosa que eu sou apaixonada...
Assim que Courtney
entrou na cozinha, deparou-se com um homem de roupão lavando a louça. O susto
foi tão grande que a armadura de Auria ativou-se sozinha no corpo da pequena como um método de
defesa, a garota tropeçou e caiu para trás de bunda no chão. O homem virou-se devagar
para elas, sem demonstrar reação alguma diante dos estranhos em sua casa.
— Courtney? — ele
perguntou com a voz baixa, porém rígida. — Quanto tempo.
— P-papai — ela
murmurou, quase que inaudível.
Courtney recuou e
escondeu-se atrás de Auria de forma involuntária. A forma como suas mãos
puxavam as vestes dela demonstrava desconforto e inquietação. Suas pernas
tremiam. Aquele velho senhor de idade não demonstrava perigo algum, mas sua
presença parecia ocupar o cômodo inteiro como se ele cobrisse todas as paredes
até o teto e não houvesse saída. Ele virou-se e ofereceu o café que estivera
preparando.
— Eu não sabia que você
viria — disse o homem.
— Eu não sabia que você
tinha sido solto — respondeu Courtney.
— Fiquei surpreso
quando sua mãe disse que você tinha saído de casa. — A fala do homem era mansa
e tranquila, como quem não tem pressa alguma. Courtney mordia o beiço com tanta
força que chegava a machucar. — Você vai ficar um tempo? Sua mãe está preocupada,
porque você não mandou mais notícias.
— Estou servindo o
exército, papai. Não tenho tempo para essas coisas — respondeu a garota. — Eu
só vim aqui para me abrigar da chuva e buscar algumas coisas, mas já estamos de
saída.
— Quem é a sua amiga? —
perguntou o pai. — Ela é muito bonita.
— Auria Mercer, senhor —
ela respondeu por si só com as sobrancelhas franzidas.
Courtney a segurou pela
mão, implorando que partissem logo. O homem solitário bebericou um pouco de seu
café e as vigiou silenciosamente.
— Ainda tem um pouco
daquela gelatina que você adora — disse seu pai.
— Eu não quero.
Courtney destrancou a
porta da frente e saiu às pressas sem olhar para trás. Até mesmo Auria teve
dificuldades em acompanhar seu passado rápido, apesar de seus amigos sempre
brincarem que ela tinha perninhas curtas e por isso precisava andar duas vezes
mais depressa. O céu estava cinzento e sem graça, os cabelos rosados de
Courtney eram o único vestígio de cor naquele mar de concreto. Auria percebeu
que a água no rosto dela não era da chuva.
— Eu posso estar
enganada, mas alguma coisa aconteceu naquela casa.
— Tudo aconteceu
naquela casa, Auria — respondeu Courtney com a voz embargada. — Eu nunca
deveria ter voltado lá, que ideia besta essa minha! Eu jurei que quando saísse
por aquela porta eu seria uma pessoa nova, que nada mais disso iria me afetar,
mas pelo visto eu continuo sendo uma idiota, estúpida, sempre me rastejando
para onde está o perigo, sempre, sempre.
Ela começou a se judiar
batendo na própria cabeça, mas Auria a segurou pelos ombros e a fez parar.
Puxou-a mais perto de si e a abraçou, tentando transmitir algum consolo.
Courtney chorava compulsivamente, seus braços tremiam e ela ia à direção oposta
do dormitório como se apenas vagasse na chuva sem destino algum. Precisou ser
guiada pelo caminho certo, tão antes chegassem, melhor.
A porta do dormitório se escancarou e Henry levou um tremendo susto da cozinha. Zeth pensou que as duas pudessem estar feridas pela forma como Courtney era praticamente arrastada porta à dentro. Auria a levou direto para o banheiro, onde as duas se trancaram. Seus amigos espreitavam do lado de fora, ansiosos e apreensivos por alguma explicação.
— Meninas, está tudo
bem? — Zeth perguntou do outro lado da porta.
— Sim, sim — Auria
respondeu brevemente . — Só nos dê um pouquinho de
privacidade.
Henry e Zeth se
entreolharam e retomaram seus afazeres, mas nada mais rendeu naquela tarde. Auria
tentava controlar a ansiedade de sua amiga que balançava a cabeça
constantemente em estado de negação, mordendo a língua para que ninguém lá fora
escutasse seu choro.
— E-eu chamei ele de
papai de novo. Foi sem querer — Courtney lamentava repetidas vezes. — Eu jurei
a mim mesma que nunca mais o chamaria assim, mas ele me obrigava. Ele sempre me
obrigou a fazer o que eu não queria.
Auria ficou sem reação,
pois era a primeira vez que se deparava com alguém tão próximo que sofria
abusos nas mãos de um familiar. Até então aquilo soava como uma história
longínqua, como aquelas que só chegavam aos seus ouvidos vindos de outras
garotas com quem não tinha contato algum. Pensou no próprio pai, que sempre
fora tão compreensivo e acolhedor, e não conseguiu distorcer sua imagem de
forma a torná-lo alguém ruim; mas a reação de sua amiga a faziam enxergar
aquele velho senhor de roupão bebericando café numa imagem deformada e
aterrorizante.
As duas permaneceram
quase uma hora trancadas no banheiro até que Courtney recuperasse a compostura
e estivesse em condições de conversar com seus amigos. Já estava antecipando o climão que ficaria entre eles, as perguntas incessantes, os olhares de pena.
No momento em que as duas
saíram, havia quatro xícaras de chocolate quente esperando. Zeth estava
estirando no chão comendo pipoca e estudando um livro de história sobre a Guerra
das Espadas. Seus amigos agiram com toda a naturalidade e espaço que ela necessitava
no momento.
— Eu não acredito que
vocês tomaram essa chuva! Eu disse que a previsão dos magos hoje era de chuva, chuva e mais chuva —
lamentou Henry.
— A gente meio que se
perdeu no caminho — mentiu Courtney, seguido de um espirro.
Henry balançou a cabeça
em sinal de negação. Foi até a bancada e preparou dois copos com líquido
fervescente e duas pílulas na cor vermelha e amarela.
— Lamentável. Aqui.
Tomem essa Vitamina C e engulam junto esse remédio de ervas para evitar de pegarem uma gripe. Vocês vão sentir sonolência e um pouco de cansaço, então
quero que tomem um banho bem quente e só depois voltem aqui para beber o
chocolate quente.
— Mas até lá vai ter
virado chocolate frio — resmungou Auria.
— É só esquentar de
novo, mané — disse Henry. Seus amigos achavam hilária a forma como o curandeiro
agia com seriedade quando alguém estava doente, parecia até outra pessoa;
sempre se preocupando com o bem estar e agindo como uma mãe observadora se
certifica de que seus filhos permanecerão fortes e saudáveis.
— Eu não quero tomar
banho — foi a vez de Courtney reclamar. — Pra mim já chega de água por hoje!
— Ah, não. Nem pensar —
Henry tomou frente. — Quem lava as roupas aqui sou eu, e vocês não vão ficar
zanzando por aí e molhando o assoalho que é de madeira. Quando o capitão voltar
e o dormitório estiver cheirando a cachorro molhado, vocês vão ver o que é bom
pra tosse!
Mesmo quando o
curandeiro tentava parecer bravo ele falhava miseravelmente, mas sua ordem se
tratando de enfermos era absoluta. As duas derrotadas estavam voltando para o
banheiro quando se depararam com Zeth já com a toalha nas costas.
— Ei. Agora é a nossa
vez — reclamou Auria.
— Nem vem. Vocês
ficaram lá dentro cagando ou fazendo sei lá o que por uma hora, agora eu
preciso usar também — retrucou Zeth entre risadas.
— Ô mãeeeee, olha ele! —
brincou Courtney.
— Eu mereço... —
lamentou Henry.
No fim das contas,
alguém teve a brilhante ideia de entrarem todos juntos. Não se sabe dizer quem
surgiu com o assunto, mas a banheira foi enchida com água quente até quase transbordar e logo todos
os espelhos se viram embaçados com desenhos de corações, monstrinhos, uma
árvore e algo de formato fálico duvidoso. Para preservar suas intimidades eles permaneceram de toalha,
mas não havia vergonha alguma entre os quatro amigos que vinham treinando
juntos já há alguns meses na Fortaleza Azul.
Auria lembrou-se de sua
estadia na Pequena Colina, uma das mais famosas Casas de Banho em Century, onde as banheiras eram preparadas com água natural e sua única companhia feminina era Tootie na época.
Courtney se ofereceu para lavar as costas de Auria e não perdeu a chance de provocar
seus amigos insinuando gestos e toques com as mãos.
— Ai, gente, vocês agem
como uns tremendos virjões! Desse jeito nunca vão conquistar uma garota —
lamentou Courtney.
— E quem disse que eu
quero um relacionamento agora? — indagou Zeth. — Essas coisas só complicam.
— Mas a vida é sobre lavar as costas um dia e ser lavado no outro! Vai, vira aí. Deixa que eu faço o serviço porque dizem
que sou boa com as mãos — ordenou Courtney, Zeth não encontrou outra alternativa senão obedecer. — Essas suas cicatrizes... elas doem?
— Não são cicatrizes.
São só marcas de nascença — respondeu ele com a voz séria. — E não, não sinto
dor alguma. Acho que só dói quando escuto as pessoas fazendo comentários
maldosos. Não é o tipo de coisa que gosto que as pessoas vejam.
— Puxa, e você não
hesitou em mostrar pra gente. Isso que é confiança. — O sorriso de Courtney era
sincero enquanto ela o enxaguava devagar. — Sabe, eu também não ligo de estar
aqui compartilhando uma banheira com vocês. Em outros tempos isso seria
impossível, e algumas pessoas podem até achar um tremendo absurdo, mas é que eu
confio em vocês.
— Admito que eu também
estranhei essa ideia do capitão de nos colocar para viver em um dormitório misto no começo —
comentou Henry —, mas, vendo as coisas como são agora, eu não mudaria nada.
Aprendi muito com vocês.
— Tipo o quê? —
perguntou Auria.
— Que vocês também podem ser nojentas — falou Henry. — Eu odeio, odeio, odeio, odeio, odeio tirar cabelo do ralo. Que Araya me perdoe por essa ofensa, mas se eu precisar tirar outra vez sou capaz de ferir alguém.
— Para um padre você
têm andado bem estressado — brincou Zeth. — Essa não. Será que estamos
começando a ficar igualzinho ao capitão?
— Cruz credo, bate três
vezes na madeira! — proclamou Courtney. — Por sinal, alguém sabe quando ele
volta?
— Acho que só daqui uns
três dias — explicou Henry. — Ele disse que foi escalado para uma missão de
reconhecimento na costa que contorna o Monte Rochoso e a Caverna dos Aukalakas,
mas não encontraram nada. Mas isso vocês já deviam saber, ninguém presta
atenção no que o capitão diz?
— Só quando dá vontade —
disse Zeth em tom zombeteiro. — Ele é como um pai pra gente, então, como bons
filhos só escutamos o que queremos.
O semblante de Courtney
se fechou na mesma hora ao escutar aquela comparação. Ela sentiu o sabor férreo de sangue no machucado em
seu beiço quando o mordiscou. Auria segurou a sua mão, seu gesto por si só
deixou claro que ela não era obrigada a dizer nada que a deixasse
desconfortável. Por algum motivo, Courtney sentia que não queria mais
esconder nada de seus amigos, por isso vestiu seu melhor sorriso e falou em voz
alta:
— Eu tenho algo a
contar para vocês. Mas não é bonito e nem engraçado, então me desculpem se eu
cortar o clima, mas é porque não aguento mais manter isso guardado dentro de mim.
Courtney contou sua
história. Contou detalhes que nem mesmo ela se lembrava até então, como se sua
memória tivesse se certificado de apagá-los para evitar que voltasse a sofrer.
Auria escutou angustiada, seu punho se fechava cada vez que ouvia um relato
inédito de tudo que sua amiga passara nas mãos daquele homem. Henry cobriu os
olhos e chorou baixinho, e todos eles se admiraram pela forma como Courtney contava
tudo sem demonstrar tristeza ou mágoas.
Quando a história
terminou, os quatro permaneceram quietos e desnorteados, ainda tentando assimilar tudo que havia acontecido. Era diferente de escutar relatos e acontecer
com alguém do seu lado, e eles se sentiram péssimos por nunca ter perguntado ou oferecido ajuda.
— Nós demos sorte que o
capitão não está aqui para ouvir isso — falou Zeth de repente. — Eu juro que ele iria
atrás do seu pai para espancá-lo, quem sabe até matá-lo.
— E que ele continue
sem saber, então, zíper na boca — respondeu Courtney, fazendo um sinal com as
mãos. — Não quero arranjar mais dor de cabeça. Eu só fiquei muito assustada
quando passei em casa hoje e descobri que ele voltou a morar com minha mãe. Ela
é uma tremenda idiota por aceitar viver com ele depois de tudo o que fez conosco.
— Às vezes ela não
tinha outra opção, Courtney — respondeu Henry, compreensivo. — Muitas mulheres
se veem nessa situação e optam por não agir com o medo da punição. E tenho
certeza que ela lamenta muito por tudo que aconteceu.
Courtney concordou com
a cabeça. Seu único desejo era que sua mãe ficasse bem. Colocar tudo aquilo
para fora a fez sentir-se mais leve, e então, pela primeira vez ela se viu
derrotada e não pôde mais suportar o choro. Beliscou-se discreta, tentando se machucar de
qualquer maneira para impedir que seus amigos a vissem naquelas condições como uma criança que teme ser apanhada.
— O papai... meu pai
não é uma pessoa má, sabe? — ela indagou entre lágrimas, ainda sofrendo com a
dúvida. — Ele está tentando melhorar, eu vi. Será que eu deveria dar uma nova
chance para ele?
Zeth levantou-se
aturdido e não escondeu seu constrangimento e fúria diante daquela declaração.
— Você consegue escutar
o absurdo que está dizendo? Por Yllata, Courtney! Se eu visse esse homem na
minha frente eu nem sei do que sou capaz de fazer. E pode ter certeza que, ao
invés da prisão, ele iria direto para um hospital ou coisa pior.
— Não! — rogou a
garota. — Não faça nada contra ele, por favor!
— Courtney, pare, você
o está protegendo — retrucou Auria.
— Pessoal, vai com
calma — suplicou Henry, tentando soar razoável. — Esse é um assunto delicado.
Essa reação pode ser instintiva, e ela diz isso como forma de defesa diante de
uma punição evidente.
Seus amigos se deram
conta de que Courtney chorava abraçada aos próprios joelhos. Ela não mereceria ter
de passar por toda aquela situação outra vez. Entre palavras desconexas ainda
era possível distingui-la dizer: “Ele vai me achar. Ele vai saber que fui eu
que contei. É tudo culpa minha por eu ser muito dada.” Auria ajoelhou-se e a
abraçou, seguida por Henry e Zeth.
— Já chega — disse
Auria com um suspiro. — Chega dessa história, chega dessas lembranças. A
Courtney que conhecemos é uma versão nova, longe dos fantasmas que a
assombraram em seu passado. Você nunca mais vai passar por aquela porta. Nós estamos aqui, e jamais permitiremos que isso
volte a se repetir.
A respiração da garota
aos poucos estabilizou e ela se permitiu relaxar. Quando saíram do banho, o
chocolate quente estava frio e espesso, mas bastou esquentá-lo para que
voltasse a ficar saboroso.
O dia seguinte amanheceu claro e com muito sol, mas Courtney acordou com um tremendo resfriado e precisou ficar de cama. Não tinha o que reclamar, afinal, seus amigos fizeram de tudo para que ficasse confortável — ganhou massagem nos pés, comida na cama e um cafuné gostoso antes de dormir às quatro da tarde.
Auria aproveitou a deixa
e voltou à cidade para uma visita rápida. Lembrava-se de cabeça onde se situava
a casa espremida que agora lhe causava um desconforto ainda maior. Tocou a
campainha da frente e aguardou até que alguém a atendesse. Quem abriu a porta
foi o pai de Courtney, vestido com o mesmo roupão cinza e uma caneca de café
amarela na mão. O homem a reconheceu de imediato, mas seu rosto era incapaz de demonstrar reações.
— Ah, você
voltou...
Em outros tempos, Auria
o teria dado um soco bem dado na boca. Pensou naquele pirata na Ilha dos Geckos
que apanhara e perdera um dente por muito menos, e diziam que seu punho poderia
colocar qualquer homem de joelhos; mas naquele momento, encarando a pobre e
miserável figura em sua frente, percebeu que ela já estava destruída por dentro
sem chance de conserto. Havia pouco que pudesse fazer para dar-lhe uma lição, e
qualquer atitude inadvertida de sua parte logo espalharia os boatos por todo o bairro de que os alunos de Volker King eram um bando de arruaceiros violentos
e arrogantes.
Auria ergueu um único
dedo e o aproximou bem perto do nariz do homem antes de lhe dar a seguinte
ordem:
— Eu gostaria que o senhor nunca mais chegasse perto da Courtney. Eu quero que saiba que ela está muito melhor conosco agora.
O homem fungou com o
nariz e balançou a cabeça devagar, como quem faz uma promessa sem significado
algum. Assim que Auria se distanciou, ele ergueu o tom de voz e fez seu pedido:
— Cuida da minha
menina.
Auria precisou voltar
só para deixar claro as suas intenções.
— Ela não é sua. A
Courtney não pertence a ninguém.
Quando voltou para casa,
Henry estava preparando uma sobremesa sem igual — gelatina colorida com frutas
variadas, pois eram as favoritas de sua amiga.
MDS Canas, por essa eu não esperava. Não foi a alta putaria que eu pedi á um tempão KKKKKKK mas foi um texto de bastante qualidade <3 Gostei muito da forma como os diálogos suaram subtis e naturais entre as personagens, tão bom estar com esras personagens que tanto adoro novamente AAAAAAA
ResponderExcluirAdorei saber mais sobre o passado da Courtney. Admito que senti um pouco de falta disso nela e no Henry ao longo do livro 2, já que do grupo o Zeth foi o mais aprofundado, por isso esta leitura foi uma experiencia bem refrescante. Agora um pequeno capitulo sobre o Henry e sua família eu acho que essas personagens eram fechadas com chave de ouro.
Até a próxima <3
Pensei que o capítulo fosse passar despercebido por você porque eu simplesmente lancei ele sem falar para ninguém, mas você não perde uma, Shii kkkkkkkk
ExcluirNOSSA SIM, será que já faz dois anos que você sugeriu essa ideia? Fiquei esse tempo todo pensando em uma forma de fazer com que o capítulo não fosse apenas putaria solta, ou dependendo do que rolasse nessa banheira poderia até alterar o rumo da história dos livros hahah Na verdade a ideia toda surgiu há duas noites, e quando eu sinto que a ideia é certa ela se desenvolve sozinha. Fiquei muito contente com o resultado, e espero ter abordado o tema de forma respeitosa.
Ahh, eu também morro de saudades desses 4! Olhando para trás, a Courtney e o Henry realmente tiveram pouco tempo de tela para mostrar sua vida além dos treinos. A Courtney só menciona duas vezes em toda a saga sobre esses seus medos, mas ainda de forma bem discreta, então fiquei feliz em poder mostrar. Já sobre o passado do Henry, aí complica um pouco kkkkk A única coisa que mencionei é que ele foi criado por monges em um templo, mas nem eu sei o que ele passou, não deve ter sido muito interessante kk
De qualquer forma, obrigado por vir aqui comentar <3 O blog estava meio abandonado, mas agora trarei algumas coisinhas novas!
Truly some damn powerful stuff here man, this chapter alone puts what I knew about Courtney in a whole new light, she's cheerful not because it's what she is, but because she had to fight so hard to find it in the first place. I love too how you do the chemistry of this whole group and GODAMN truly some emotional and wonderful work as always!
ResponderExcluirAlso the art, WHEW those lucky buggers getting to bath with those two cuties! Darn amazing work!
Thanks a lot, bro! This chapter came out of nowhere, I transformed something that was supposed to be silly and funny into this huge plot twist haha No regrets!
ExcluirIt's crazy to think that this is your first contact with Courtney and the others, even though they've been with me since 2017. It's hard for an author to keep its charactes hidden for a long time. The Book 2 turned out to be my favorite, I love how this group share their secrets and trust each other to overcome their fears, it's powerful. As always, thank you so much for coming here and commeting on my work, it encourages me to keep working with different themes and genres with those characters. And I simply love to watch they grow!
Aye, that's the power of an amazing writer like you man!
ResponderExcluirGodamn, to think it's taken so long to get to know them, but you spent all that time planning their dynamic and friendship so freaking well, reading this I instantly got to know how they all felt and even felt like I've been with the for years. Super hyped to see the coming book man!