Chuva, Jogos e Chocolate Quente [Support]
Chuva, jogos e chocolate quente
Personagens: Ralph, Elice e
Clover;
Gênero: Slice of Life;
Tema: Os personagens
ficam presos na biblioteca durante uma noite chuvosa;
Sugestão do leitor: Sir Naponielli.
Notas do Autor:
Eu não estaria mentindo se dissesse que essa ideia estava parada desde 2019 ou 2020, quando eu ainda planejava escrever as histórias paralelas para o blog. Nossa, eu nem quis terminar a arte do desenho, mas vai ficar assim mesmo. Com o passar do tempo foi ficando mais difícil de conseguir escrever apenas por prazer, e chega uma hora que a vida cobra suas prioridades.
Na última semana eu decidi voltar com o blog e trazer todos os conteúdos que eu tinha planejado e nunca entreguei. São cerca de 20 posts, então pretendo tentar postar ao menos um por semana até o fim de 2023 (céus, esse é o meu primeiro post do ano!). Ainda que quase ninguém ainda frequente blogs ou leia as coisas por aqui, estou contente por entregar algo que tenha toda a essência que eu sempre gostei dos Supports, além de mostrar um personagem que aparece no Livro 4 e eu nunca tinha explicado o motivo. É canônico, hein?
De qualquer forma, me desculpe pela demora de 3 anos, mano Napo! Pode ser que este seja nosso último Support, mas espero que a vontade volte a aparecer assim como novas histórias. Pegue o seu chocolate quente e boa leitura.
Ralph recolheu-se para longe da janela quando um
relâmpago estourou, seguido por um clarão e enfim o ensurdecedor trovão que fez
a estrutura da escola tremer. A biblioteca estava silenciosa e todos os demais
alunos já tinham ido embora, exceto por Elice que folheava alguns gibis para afastar
o tédio.
A Srta. Clover se encarregara de dar aulas de
reforço para a garota, uma vez que ela nunca sequer tivera aulas presenciais.
No começo foi estranho ter de compartilhar uma sala com outros vinte e tantos alunos. Quando estudava em casa com seu
irmão, a atenção de Aedan era única e exclusivamente sua. Ele não tinha conhecimento
aprofundado em nenhuma matéria, o que resultou em um singelo atraso em questões
de matemática e língua estrangeira; mas Elice se saía muito bem em geografia e
história de Sellure, além de ciências básicas e a magia dos tótines, pois era
esforçada e curiosa por natureza.
— Não se preocupe,
Elice. O Ralph teve aulas de reforço até se formar e ir para a academia —
brincou a Profº Clover na ocasião. — E mesmo hoje ele costuma vir passar
algumas tardes comigo aqui na escola.
Mas agora já passava
das oito da noite, e a chuva não dava sinal de que daria uma trégua. Sendo uma
tótines com um conhecimento tão profundo na natureza, Clover devia ter se
atentado mais à mudança no tempo e os calafrios que Hayley vinha sentindo. Um
raro ciclone fazia sua passagem pelo Mar Plano, mas ainda que não alcançasse a terra
tinha força o suficiente para deixar o mar agitado e de ressaca como um bêbado
imprevisível.
Elice deixou o gibi
cair em sua cara e depois esticou os braços para os lados, estirada feito um
tapete.
— Tô entediada.
— E eu tô com medo —
murmurou Ralph, que detestava trovões e barulhos altos.
Clover terminou de
corrigir a última prova e guardou o amontoado de papéis em sua pasta. Agora que
adiantara o serviço, precisava ao menos entreter as crianças e garantir que
eles não saíssem espalhando por aí que sua professora era ultrapassada e sem
graça. Conhecia algumas maneiras de divertir os mais novos quando dava aulas
para o ensino primário, mas adolescentes era um pouco mais chatos e exigentes.
— Então — Clover
perguntou, cruzando os dedos para apoiar o rosto sobre suas mãos. — O que a
geração de vocês faz quando estão entediados?
— Hmm... Deixa eu
pensar — Elice começou a contar nos dedos sem se levantar. — Assisto desenhos
animados. Vou passear no parque. Tomo sorvete. Faço esculturas de gelo das
pessoas que detesto pra depois destruir elas.
— Certo — Clover ergueu
as sobrancelhas e tentou mudar de assunto. — Seria muita maldade pedir que
adiantem a lição de casa de amanhã, afinal, o cérebro também precisa descansar
para poder aprender.
— Isso se as aulas não
forem canceladas e a estrutura da escola ruir — Ralph respondeu trêmulo. —
Tenho medo que o mar engula a Pequena Colina inteira!
— Isso não vai
acontecer, e vocês não conseguirão fugir de mim.
Clover levantou-se de
sua mesa e foi até um dos armários nos fundos, trazendo consigo uma caixa de
papelão cheia de tranqueiras. Ela tirou os sapatos e sentou-se no chão junto de
Elice, e logo Ralph aproximou-se para saber do que se tratava.
— Vocês já jogaram
jogos de tabuleiro? — perguntou a professora.
— Uau... — Os olhinhos
de Ralph brilharam. — O que são todas essas pecinhas pequenas e essas cartas com
artes maneiras? E o que é essa coisa quadrada com bolinhas?
— Você nunca viu um
dado? — Elice perguntou, tentando bancar a sabichona. — Eu aprendi com o meu
irmão a jogar. Ele frequentava uns lugares bem legais onde as pessoas faziam
apostas e ganhavam dinheiro com isso. Tinha também umas mulheres dançando em
cima do palco, e--
— Pra resumir, é muito simples
— Clover a interrompeu, pegou o dado de sua mão e o jogou, rolando o número
cinco. — Agora eu escolho o peão verde, minha cor, e avanço cinco casas. O que
diz no cenário?
— “Você se deparou com
uma emboscada. Volte uma casa para se reagrupar e perca -10 de mantimentos” —
Ralph leu em voz alta.
— Viram só? É bem
simples. Querem tentar me desafiar? — Clover os instigou, parecendo muito
convencida ao se vangloriar de suas habilidades. — Pois saibam que eu sou muito
sortuda para essas coisas, e sempre ganhava quando meu filho trazia os
amiguinhos dele para jogar em casa.
— Hah! Como se eu fosse
negar um desafio — Elice se prontificou. — Vamos lá, Ralph. Não deixaremos ela
se gabar com esse título de campeã por muito tempo.
Os jovens tentaram
buscar a vitória, mas sua professora era mesmo muito sortuda. Não à toa
recebera o título de Bad Lucky Clover — azar para uns, sorte para os outros —,
pois em menos de vinte turnos ela conquistara uma vantagem astronômica, dominando
o tabuleiro inteiro e instalando um reinado que não poderia ser superado nem em
mil anos.
— Epa, acho que ganhei —
disse a mulher de forma meiga.
— Ai, profê! Você é
muito competitiva. Desse jeito o Ralph nunca mais vai querer jogar com você.
— Tá brincando? Eu amei! Só agora que estou entendendo as
regras, e percebi que dá pra elaborar uma estratégia se eu guardar os itens e
usá-los para atrasar o ritmo do adversário ou fazê-lo perder o controle de uma
capital importante. Não se trata apenas de sorte.
— Vejo que você prestou
bem atenção nas minhas instruções. Bom menino — Clover afagou-lhe a cabeça,
orgulhosa. — Um dia você irá me suceder como a Mestra nesses jogos.
— Cansei disso. Quero
outra coisa — resmungou Elice, que não gostava de perder. — Na verdade, estou
ficando com um pouco de fome... mas não acho que vamos conseguir nada pra comer
aqui com a cantina fechada.
— E se a tempestade
nunca mais parar? Nós vamos morrer de fome? — Ralph voltou a se assustar com a
ideia. — Tem muita coisa que eu preciso fazer, muito lugar pra explorar! Não
deu nem tempo de cair o meu salário desse mês! Se precisar, eu saio correndo
nessa chuva para buscar reforços. Será que o Capitão Relâmpago serve como
para-raios?
— Ninguém vai sair
nessa chuva, porque não quero ninguém gripado. Crianças, um adulto sempre está
prevenido para essas situações — explicou-lhes a Srta. Clover. — Vocês
esqueceram que eu sou uma confeccionadora de selos? Posso conjurar o meu
caldeirão bem aqui, e... usá-lo pra cozinhar vocês.
O trovão que estourou
fez as pernas de Ralph tremer conforme as silhuetas da professora eram
iluminadas pelo clarão como se ela fosse uma bruxa aterrorizante. A luz oscilou
e até mesmo Elice teve de admitir que levara um sustinho. Clover riu alto e
divertiu-se com a cena, prometendo aos dois que lhes faria um sanduíche e uma
bebida especial na sala de professores.
— Comportem-se vocês
dois, ouviram? Nada de aprontarem até eu voltar.
Ralph e Elice baterem
continência e voltaram a procurar alguma forma de se entreterem. O garoto
continuou a estudar as cartas no tabuleiro enquanto sua amiga foi vasculhar o
que mais de legal poderia encontrar na biblioteca. Ela voltou trazendo consigo
um álbum de figurinhas incompleto, doado por alguma criança que provavelmente
já se formara havia muito tempo.
— O que é isso? Posso
ver? — perguntou Ralph.
— Senta aqui. — Elice o
puxou para mais perto e o pôs sentado em uma almofada. — Se você nunca viu um
dado, nunca deve ter colado figurinhas também. O que você fazia pra se divertir
lá na sua terrinha onde só tem gecko?
— Eu imaginava um
montão de coisas legais. Saía pra caçar dragões, brigava com os moinhos de
vento... Nunca me sentia entediado, nenhum dia. Ainda me surpreendo quando
penso que eu tinha o vilarejo inteiro para explorar, mas você mal podia sair de
dentro de sua casa.
— Sim, e mesmo assim
nós dois nos divertíamos de formas diferentes. Eu precisava usar minha
imaginação como você — contou Elice. — Olha, essa é uma edição antiga do álbum
de Grandes Heróis do Reino de Sellure, eu tinha um desses! O Aedan comprava um
montão de pacotes na banca perto da mercearia, e eu esperava toda contente pra
abrir e tentar tirar uma figurinha rara.
— Ela é rara porque é
valiosa?
— Ela só é brilhante.
Eu as classificava como comuns, incomuns, raras, e... lendárias.
— Uau — disse Ralph
impressionado, desejando algum dia ter tido a chance de tirar um daqueles
pacotinhos só pela sensação de conseguir as tais figurinhas lendárias. — Ah,
olha aqui! Tem uma do Tokay Asa Negra com as bordas douradas!
— Siiim, ele com
certeza era raro! Geralmente os personagens mais legais são as figurinhas mais
requisitadas pelos fãs. Por exemplo, se você fosse uma figurinha, muito
provavelmente seria dessas comuns e sem graça.
— Estou começando a
entender. Creio então que o Aedan e a Auria seriam raros, enquanto o Raegar e o
Raito seriam lendários. Aposto que o Bill e o Lesten seriam dessas comuns
também. O que mais tem de legal aí?
— Tem o Ronem Romenor,
o Conquistador. Ele foi o primeiro rei de Sellure, mas não deixou herdeiros e
teve um fim muito trágico. Eu li um livro uma vez que contava a história dele.
Espera um pouco, qual era o nome da vovó da Srta. Clover mesmo?
— Dona Hortência, eu
acho.
— Nossa, essa
feiticeira aqui também se chamava Hortência. Segundo a descrição ela foi uma
das Sacerdotisas da Lua e era capaz de ter previsões sobre o futuro, além de atuar
como estrategista de Ronem Romenor. Só que ela viveu há quase 100 anos. Quais
seriam as chances de que fossem... a mesma pessoa?
— Aquela velhinha? Sem
chance — brincou Ralph. — Ah, droga! Agora estou com vontade de criar o meu
próprio álbum de figurinhas com nossos amigos.
Ralph e Elice
continuaram a folhear as páginas, o que acabou por ser uma verdadeira aula de
história. Eles se surpreenderam ao se depararem com Drake dentre os personagens
lendários, e agora mal podiam esperar pela chance de mostrar para ele e dizer que
depois de morto alguma empresa devia estar usando sua imagem para vender
bonecos e brinquedos. Doppel com certeza morreria de rir, e Raegar faria
questão de ter um boneco dele.
Para sua tristeza,
faltavam as figurinhas do Velho Canas em seu auge e também de General Defesa.
Ralph estava muito curioso para saber como eles eram em sua juventude.
Elice olhou de relance
para o garoto ao seu lado e sentiu as bochechas corarem. Ele estava perto o
bastante para sentir o seu corpo quente em contraste com a sensação sempre
gélida que ela passava. Era adorável vê-lo sorrir e falar sobre as coisas que
gostava, relembrando as tantas histórias que escutara do Narrador e como aquilo
atiçara sua imaginação quando pequeno.
Quando sentiu o cansaço
bater, Elice encostou a cabeça no ombro do amigo e ficou por algum tempo assim,
sem escutar nada do que ele dizia, mas satisfeita por ter a chance de estar do
lado dele.
— Eu espero que você
nunca vire uma figurinha — falou Elice.
— Por quê? Eu queria
virar uma.
— Porque no dia que
você aparecer em um álbum assim, significa que você já morreu, ou que você se
tornou grande o bastante para ser famoso. E aí com o tempo você... vai ter se
esquecido de mim.
— Não diga bobagens —
respondeu Ralph, sem desviar os olhos das páginas. — É óbvio que você vai estar
lá em cima comigo.
Elice ficou tão
vermelha que precisou esconder o rosto atrás do cabelo, ainda que o garoto
continuasse completamente alheio o que acabara de dizer.
Cerca de meia hora
depois, Clover voltou trazendo uma bandeja com os sanduíches e uma de suas
especialidades — um delicioso chocolate quente cremoso com calda de caramelo.
Mesmo que Ralph já fosse um adolescente e Elice tivesse acabado de completar
doze anos, a Srta. Clover sempre os tratava como se fossem suas crianças, um
resquício de seus traços maternos e a maneira como adorava cuidar e proteger os
outros ao seu redor.
A professora cruzou as
pernas e observou os dois jovens que riam e conversam contentes. Estava
gostando muito da vida na Pequena Colina, e se orgulhava do quanto a escolinha
vinha prosperando sob sua orientação como diretora. Claus e Rebecca deviam
estar em casa a essa hora preparando a janta e cuidando da Vovó Hortência em
sua ausência, não escondia como era grata pela ajuda deles. Às vezes até sentia
como se todos os seus alunos fossem também seus filhos. Apesar do desejo inato
de ser mãe outra vez, sentia que já era velha e ultrapassada para tentar, além
de que dificilmente teria a chance de conhecer alguém que fizesse seus olhos
brilharem outra vez.
— É muito bom ser
jovem, não? — murmurou Clover, mais para si mesma do que para que alguém a
ouvisse. — Sentir que tem tempo de sobra para arriscar, tentar coisas novas,
e... ser feliz sem precisar de um motivo para isso.
Quando Ralph a
conhecera, Clover já tinha perdido seu filho e marido durante a Caça aos
Tótines. Queria ter tido a chance de conhecê-la em seu “auge”, talvez vê-la
sorrir mais. Sentia que uma nuvem de tristeza a permeava sempre que a via
sozinha, divagando os detalhes, como se todos ao seu redor tivessem o direito
de ser feliz, menos ela.
— Como é se apaixonar
por alguém, Srta. Clover? — perguntou Ralph.
A mulher deu um sorriso
de relance ao perceber que Elice encolheu os ombros e desviou o olhar. Ela
ainda podia ser muito nova para entender de romances, mas estava claro que
começava a sentir algumas coisas.
— Bem, eu... isso faz
muito tempo. Vocês querem mesmo ouvir uma velha falar sobre sentimentos?
— Que outra pessoa
teria para perguntar? — questionou Elice, claramente interessada. — O Aedan é
um chato nesses assuntos, tanto que tá solteiro até hoje. A tia Elma é
totalmente autônoma e diz não precisar de homem para nada, enquanto a Tootie se
enrola toda e no fim não explica nada.
Clover soltou uma
risada adorável e voltou a se aconchegar entre os mais jovens, recolhendo uma
porção de almofadas para que os três se estirassem no chão enquanto escutavam o
barulho da chuva nas telhas.
— Eu tinha uns
dezesseis anos e tinha acabado de ingressar na academia de Helvetica quando o
conheci...
— O seu marido? — Elice
perguntou com malicia.
— Não exatamente. Mas
eu acho que foi a primeira pessoa que eu realmente amei nessa vida. Ele tinha
cabelos escuros e um sorriso contagiante, só que era tão tímido que
praticamente desaparecia no fundo da sala, tentando passar despercebido. Só que
eu sabia que ele ficava me olhando lá de trás — contou a feiticeira. — Era dia
21 de Fevereiro, e ele juntou toda a coragem que tinha para vir conversar
comigo. Com o passar do tempo, fui gostando mais e mais dele porque ele era
compreensivo, gentil e me escutava. Nós passávamos horas falando sobre tudo
enquanto caminhávamos pelos parques do Bosque Peridota. Quando me dei conta, eu
estava apaixonada.
— Então antes de se
apaixonar por alguém, você precisa ser amigo dela? — perguntou Ralph.
— Este é um passo
importante, mas cada um tem a sua forma de amar. Algumas pessoas simplesmente
sentem atração física, outros se impressionam com a capacidade intelectual ou
poder aquisitivo. Alguns se apaixonam sem nunca ver o outro pessoalmente,
acredita?
— Como assim? —
perguntou Elice entre risadas.
— Trocando cartas e
mensagens, oras! Esse mesmo rapaz por quem me apaixonei foi meu amigo de
correspondência depois que nos formamos na academia. Cada um foi para o seu
canto, procurei me aprimorar no estudo da mana e confecção de selos enquanto
ele tentou carreira no exército. Depois de um tempo as cartas foram se tornando
mais escassas, levavam meses para ter uma resposta, até que um dia não chegaram
mais.
A expressão no rosto de
Ralph minguou e ele lamentou em silêncio. Elice estava desapontada por aquela
história ter tido um final triste, mas Clover foi ágil em remediar.
— Ah, mas isso não quer
dizer que ele morreu! Só paramos de conversar mesmo — disse a mulher entre
risos. — Acontece.
— Ô, caramba. E eu aqui
emocionada pensando que era uma daquelas histórias de romance dramáticas que
viram filme. Devolva minhas lágrimas! — praguejou Elice.
— Eu não entendi —
emendou Ralph. — Então por que vocês pararam de conversar? Por que deixaram de serem
amigos?
— Bem — Clover procurou
uma forma clara de explicar —, um dia a vida adulta chega para todos. Temos de
administrar melhor o nosso tempo, e muitas vezes não sobra nem energia para
escrever uma carta a alguém para dizer que sente saudade. Aposto que nenhum
jovem faz isso hoje em dia.
— Eu troquei cartas com
a Auria nos tempos do exército. Tenho todas guardadas.
— Pois as guarde bem.
Serão o seu tesouro — continuou Clover, retomando a sua história. — Depois que
paramos de nos falar, eu me casei e tive um filho com outra pessoa. Tornei-me
professora, me dediquei aos estudos e passei a viver tão ocupada que não tinha
tempo para mais nada. O que quero dizer é que quase sempre não
vamos terminar com a pessoa que imaginávamos. Afortunados são aqueles que se
apaixonam e se casam com o primeiro a quem entregou seu coração.
Elice virou-se discreta e ficou encarando Ralph com
os braços para trás. Ele tinha aquele jeito bobão e espontâneo, mas fazia o seu
coração bater mais depressa. Apesar dos cinco anos que os separavam, dizem que
as garotas amadurecem mais depressa. Ele não se parecia em nada com os heróis dos
tempos antigos; na verdade, ele só queria mesmo era brincar e colar figurinhas,
e justamente por isso parecia tão real. Havia alguma coisa que o fazia lembrar de
Aedan, como se soubesse que ele sempre estaria ali para protegê-la.
“Sossega aí, coração. Volte para dentro e fique quietinho
até ficarmos mais velhos”, disse Elice para si mesma.
A conversa se estendeu
por tanto tempo que, quando se deram conta, a chuva já diminuíra. Por volta das
dez da noite, Aedan, Raegar e o tio Bernard vieram trazendo agasalhos e um
enorme guarda-chuva para protegê-los no caminho até em casa. Elice abraçou seu
irmão e lembrou-se porque o amava tanto — sabia que ele sempre viria socorrê-la
quando precisasse. Raegar por outro lado deu uma tremenda bronca em Ralph por
não ter avisado ninguém onde estava, mas no fim sentiu mesmo era alívio por
saber que todos estavam bem.
A Srta. Clover reuniu
seus pertences e trancou a biblioteca, satisfeita por ter tido uma noite tão
agradável ao lado de suas crianças com direito a jogatina e chocolate quente;
mas apenas três dias depois ela sentiu a garganta roçar, o nariz entupir e uma
febre infernal tomar conta. Precisou se ausentar no fim de semana e viajar até
Bausonne onde os hospitais eram mais qualificados, e seus médicos, mais
preparados.
“Se você não se cuidar
na vida adulta, ninguém o fará por você”, pensou Clover, assoando as narinas
machucadas de tanto usar papel. Ela estava exausta, dormira mal e com as costas
doendo. A idade começava a cobrar seu preço.
O serviço público era
gratuito na capital, mas isso significava que também precisaria tomar um chá de
cadeira só para conseguir comprar alguns remédios e quem sabe ganhar um
atestado para justificar as faltas. Se tivesse mesmo uma sorte daquelas, passaria
o fim de semana inteiro comendo pipoca e vendo filmes, vestida com sua camisola
com as pernas para cima. Foi quando escutou um dos clínicos chamar seu nome:
— Clover? Srta. Clover?
É você mesmo?
A mulher virou-se com
espanto ao perceber que o homem que lhe dirigia a palavra era a sua paixonite
de infância — o mesmo com quem se correspondera por cartas durante tantos anos.
Ele estava mais velho, com uma barba cheia e usufruindo do auge do charme dos quarenta
anos. Ainda tinha os cabelos escuros, embora agora fossem decorados por fios
grisalhos nos cantos e marquinhas de expressão nos cantos dos olhos quando
sorria.
E quando a viu, ele
abriu um sorriso enorme que mal cabia em seu rosto.
Clover amassou o papel
sujo e limpou a mão no vestido, pondo-se de pé na mesma hora assim que o viu se
aproximar.
— Mark! Nossa, eu nunca
imaginei que iria te encontrar aqui.
— Sim, faz tanto tempo —
disse o médico com a prancheta em mãos, como se hipnotizado por ela. — Como tem
passado? Está doente? É grave?
— Não, de forma alguma.
Só uma gripe besta, não se preocupe com isso.
— Minha sala está
livre, vou atendê-la agora mesmo.
O Dr. Mark abriu a
porta e puxou a cadeira para que ela se sentasse. Os dois não pararam de falar
sobre tudo que acontecera nos últimos dezessete anos desde que se viram pela
última vez. Clover culpava a si mesma por não ter retocado a maquiagem para
esconder as rugas e nem pintado a raiz do cabelo, mas Mark lhe transmitia tanto
conforto que era como se os dois voltassem a ser adolescentes caminhando
despreocupados pelo Bosque Peridota.
— Lamento pelo que
houve com sua família — contou Mark. — Foram tempos difíceis para tótines.
— Obrigada. Foi uma
recuperação lenta e dolorosa, mas estou finalmente permitindo reconstruir-me —
disse Clover, levando a mão ao coração e garantindo que sempre teria um pedaço
onde viveria seu marido e seu pequeno menino, Trevor.
— Eu também perdi minha
esposa há três anos para a Peste Negra — contou Mark. — É estranho pensar que
procuramos aprender magia da cura para salvar vidas, mas não conseguimos poupar
aqueles que mais estimamos, não?
— Sim. E aqueles que
ficam têm de aprender a lidar com as peças que faltam.
— Você ainda mora em
Helvetica?
— Não, me mudei para a
Pequena Colina, uma ilhota isolada em Century. É um lugar extremamente
adorável, e posso dizer que transformou a minha vida.
— Parece interessante.
Estou precisando experimentar algo assim — concordou Mark, terminando de
prescrever os últimos remédios bem devagar, só para ter a chance de passar mais
um tempinho com ela. — Aqui está. Pegue também esse atestado e tire uns dias de
folga, vão lhe fazer bem.
— Obrigada, Mark.
Prestativo como sempre — agradeceu Clover, fazendo-lhe um cumprimento demorado
e preparando-se para ir embora. — Bem, acho que nos vemos por aí, né?
— Com toda certeza —
concordou o médico, pondo-se de pé e correndo até a porta para uma última
tentativa desesperada de pôr os olhos naquela mulher. — Me diga, será que tem
alguma chance de... voltarmos a trocar aquelas cartas?
— Você ainda se lembra
disso? — Clover indagou só para fazer charme, como se ela própria não tivesse
pensado naquilo todos os dias pelos últimos anos.
— Eu ainda tenho as suas
guardadas comigo — o homem admitiu, meio corado.
— Não brinca.
— É sério. Sua letra
era linda, parecia que eu estava lendo um pergaminho da realeza. Espero
sinceramente que tenha perdido as minhas, pois eu detestaria ler as abominações
e erros de ortografia que eu cometia para uma mulher que viria a se tornar
professora.
— Infelizmente não as
tenho mais... Ei, mas isso pode ser um sinal para trocarmos novas experiências,
não?
— Você tem o meu
endereço — acrescentou Mark, apontando para o atestado. — Acho que hoje é o meu
dia de sorte.
E do nada, no meio do texto, uma referência a Dom Quixote...
ResponderExcluirBoa madrugada, Canas! Tudo joia? É muito bom ver algo aqui novamente, ainda mais um support tão amável quanto esse! Eu espero que não venha a ser o último, como você trouxe a tona a possibilidade, mas caso seja, saiba que foi um que deixa sua marca conosco. E pô, são só 3 aninhos, nada demais, tá perdoado! Pra ser sincero eu nem lembrava mais o que eu havia pedido especificamente... O que me deixa curioso pra saber no que eu estava pensando ao pedir isso...
Eu estou um "comentador" preguiçoso ultimamente, então eu não devo entrar em detalhes como antigamente e devo me embananar todo para poder transmitir o que quero.
Eu diria que esse support é sobre experiências, e da forma como elas variam entre indivíduos e da importância de se compartilhar elas, não só pelo outro, mas por você mesmo. Temos a Elice experimentando situações e sentimentos relativamente novos em sua vida, o Ralph que não teve essas experiências da forma tida como ordinária e a Clover que já experimentou uma vez e crê não ter novamente a chance de experimentar devido a idade, tese que cai por terra ao fim do texto, assim como também cai pela lógica, pois viver, em si, é experimentar, em menor ou maior dose.
A escolha do tema para um support que se passa numa biblioteca me é convincente, afinal, é um espaço com muita experiência a ser encontrada, a ser trocada. Afinal, há livros e pessoas, não?
Sinceramente eu não estou nos meus melhores tempos em termos de comentar. Mas saiba que eu gostei do que li, dos Trovões assustando o Ralph à Elice falando de álbuns de figurinhas e bancas ( aliás, amo bancas, sinto tristeza com o fechamento de muitas delas pelo país, mas é o tempo, né ), da Clover cozinhando até a surpresa dela ao ir para o hospital e ali ver sua antiga paixão.
Como eu disse, posso ter, e com quase certeza o fiz, me embananado escrevendo o comentário e deixando o que eu quero dizer expresso de forma estranha. Mas eu gostei bastante, e é muito bom te ter de volta a ativa, mesmo que com garantia de apenas uns 5 meses se for mesmo um por semana.
Valeu aí mano, um grande abraço, obrigado pelo support!
Ok I LOVVEEE this adorable setup here with these three getting to bond, and seeing Elice having the best possible teacher too? God this is so wholesome man you have no idea.
ResponderExcluirAHAHAHAHAHAHAHAH OMFG THE PART WITH THE STRIPPERS KILLED ME. OMFG lad I burst out laughing out loud for real, no joke, that's some genius bit of humor there. OMG DOES ELICE LIKE RALPH??? OMG THAT'S SO ADORABLE OTP I SHIP.
Wow I didn't see Miss Clovers' backstory coming, poor woman, she deserves nothing but hapiness, I'd kill to be her lover ahahaha. OMG SHE MET THEM AGAIN. GO CLOVER GO, YOU GET YOUR MAN.
Amazing and charming work as always man, I'm always a sucker for stories like these!
Hey dude! Good to see you here in one more Support Conversation. I love that Slice of Life feels, when nothing really important happens. I think the characters have more time to talk and discover things from each other.
ExcluirSTRIPPERS, WHERE? Oh, you meant stickers? What is the Google Translate showing you man? HAHAHAHAHA
Of course Ralph and Elice are a pair! Not so strong like Ralph and Auria, but since the first book she starts developing something for him that lasts until de last book. I think they are adorable too! Even though they try to kill each other from time to time.
Clover had a very sad backstory indeed. I hope people will like her when she shows up in Book 2. She's one of my favorites and truly deserves happiness!
Maybe this will be our last Support in a while... I'm planning to keep posting some new info every week until the end of 2023, but after that, I don't know how things will turn. Anyways, I'm so fortuned to have someone like you reading my posts. Thanks once again!
Nothing beats that man, getting to see our beloved characters happy and hanging out, nothing beats that.
ResponderExcluirAHAHAHAHAH, Oh I meant Elice talking about the place she went to with her brother once, and how Clover just cuts her off before finishing, that part killed me man, so damn funny.
What kind of OTP would be complete without them trying to kill each other ahahahah? But man I did not see that coming though it is super cute.
I ALREADY LOVE HER MAN, lucky guy, getting to reconnect with her! I'm rooting for you Clover, you go get your man!
ALWAYS MAN, I'm so excited for book 2, you can't imagine how hyped I am!