Capítulo 11.5 - O Mapa Perdido [Cena Deletada]
Todo livro precisa sofrer inúmeros cortes antes de ser publicado. Faz parte do processo de revisão do próprio autor rever quais capítulos são realmente importantes para o andamento da história, detalhes que só encontramos depois que o livro já foi finalizado. Com isso, o blog traz as Cenas Deletadas como um extra aos leitores mais curiosos.
Onde a cena se encaixava?
Esse pequeno trecho foi retirado do Capítulo 11, assim que Ralph, Auria e Lesten chegam à cidade de Bausonne e começam as investigações sobre as Pérolas Sagradas antes de se encontrarem com Facade.
Sobre o que falava?
Trata-se de uma sequência de cenas onde o mapa de Ralph é roubado e eles precisam buscá-lo.
Qual o motivo de ter sido excluído do livro?
O capítulo em questão tem pouco mais de 2500 palavras e foi excluído por não acrescentar muito à trama principal do livro, tornando-se um dos clássicos fillers.
Sobre o que falava?
Trata-se de uma sequência de cenas onde o mapa de Ralph é roubado e eles precisam buscá-lo.
Qual o motivo de ter sido excluído do livro?
O capítulo em questão tem pouco mais de 2500 palavras e foi excluído por não acrescentar muito à trama principal do livro, tornando-se um dos clássicos fillers.
O Mapa Perdido
As Histórias Perdidas - Cenas Deletadas
Ralph, Auria e Lesten
foram levados até o corredor indicado pela atendente localizado no terceiro
andar. Quando subiam uma longa escadaria em espiral, duas crianças passaram
correndo os degraus e trombaram neles. Um deles era um menino loirinho de
roupas desgastadas e boina, o outro se tratava de um gecko arteiro de olhos
expressivos e pele esverdeada. Lesten pulou em um corrimão para esquivar-se, mas
Ralph trombou com o garoto que foi direto ao chão.
— Foi mal! — disse
Ralph para o menino. — Do que vocês estão correndo? É uma aventura?
— Estamos fugindo do
segurança! — O menino apontou o monstro que repreendera Lesten, agora correndo
de forma desengonçada com suas pernas curtas e emitindo um “shhhhhh!” bem baixo
toda vez que alguém erguia a voz.
O menino acenou e
voltou a correr no mesmo instante acompanhado de seu companheiro gecko. Os dois
se dispersaram no meio da multidão e desapareceram.
[...]
[Aqui acontece o intervalo da cena no Capítulo 11 em que
Ralph, Lesten e Auria fazem pesquisas sobre as Pérolas Sagradas e decidem
deixar a Biblioteca Central].
— Devemos nos
concentrar em procurar informações sobre as pérolas antes — continuou Ralph. —
Vamos lá, galera! Não é emocionante? É a nossa primeira aventura como uma
equipe.
— Particularmente,
duvido que acharemos algo se não soubermos como procurar. A biblioteca é
imensa, podemos pesquisar o mês inteiro e ainda estaremos longe de qualquer
resposta. Devíamos buscar um especialista em mapas ou algo do tipo, uma vez que
esta é a única pista que temos no momento — frisou Auria. — Deixe-me dar uma
olhada nele.
Ralph levou a mão até
seu bolso e notou a falta de algo. Auria arqueou uma das sobrancelhas e Lesten
fungou o ar.
— Ué, cadê? — Ralph
indagou confuso, olhando para seus amigos. — O mapa. Eu tinha deixado no meu
bolso. Não está mais aqui!
— Como pôde deixar
cair, seu cabeção? — disse Auria. — Nós andamos hoje durante horas em Bausonne,
nunca iremos localizar um mapa perdido, qualquer viajante interessado pode ter
encontrado e provavelmente fará uso dele para benefício próprio!
— Foi um acidente, acho
que deixei cair no trem...
Lesten continuava
fungando o ar. Ele aproximou-se de Ralph, verificando suas vestes e suas
calças.
— Isso não foi um
acidente — disse o lagarto. — E é melhor nos apressarmos, porque de
perseguições eu entendo.
Lesten começou a
farejar o chão de tijolos como um cão de caça em busca de pistas. Podia não ser
o melhor Caçador de Monstros das redondezas, mas levava jeito para o ramo.
Tinha um cheiro impregnado ao seu olfato e só precisava segui-lo.
Assim que os jovens
deixaram a biblioteca, a equipe continuou correndo pelas ruelas estreitas da
cidade, esgueirando-se em cantos que não deviam, Lesten desviava e continuava
seguindo o rastro sem perder o foco.
— O que estamos
buscando? — Ralph perguntou com inocência e Auria teve de dar um peteleco em
sua cabeça.
— A criança que te
roubou, cabeção. Aquele que você trombou na biblioteca.
— O quê? — O rapaz arregalou os olhos. —
Eu fui roubado? Quando?
Seus companheiros
ignoraram a ingenuidade de Ralph e continuaram a busca. Ainda no centro,
passaram pela praça onde havia uma enorme fonte que esguichava água para toda a
parte, trazendo quatro estátuas com as respectivas raças de Sellure, cada qual
representada por uma figura famosa do passado: Capitão Canas, o Descobridor do
Mundo; Tokay, Asa Negra; General Defesa e o Primeiro Dragão, cuja cabeça de
pedra estava desfigurada e desgastada pelo tempo.
A caçada seguiu até o
litoral, perto de onde o Trem das Águas passava. Lesten parou de farejar e
ergueu a cabeça, observando os arredores com olhos atentos. Ele apontou para
longe em direção do cais onde repousava um casarão abandonado, provavelmente
tendo pertencido a uma família rica do passado.
— Vamos investigar,
sinto que estamos pertos — disse o lagarto.
Eles adentraram
sorrateiramente na construção destruída, ouvindo vozes que preenchiam o salão
abandonado. Ali estava o mesmo garoto de boina que trombara com Ralph, mas
reunido com seu grupo — um gecko, dois humanos e dois monstrinhos esquisitos —,
um deles lembrava um rato bípede com orelhas enormes, o outro tinha antenas e
uma cor bege que lembrava areia. Eram apenas crianças, não deviam ter mais de
oito anos, sendo que o garoto, e provavelmente o líder, devia ter dez.
Eles estudavam o mapa
roubado, todos juntos e amontoados com a ansiedade de uma mente ainda repleta
de sonhos e expectativas.
— Será que conseguiremos
encontrar todos esses lugares marcados? O que vocês imaginam que seja? —
perguntou a criaturinha de antenas.
— Uma montanha de tesouros!
— falou a menina, mergulhada em sua imaginação. — Espero que haja algodão doce,
chocolate e caramelo, e muitas moedas de ouro, porque assim podemos comprar
mais doces!
— E não há nenhum
desafio grande demais para nós — disse o líder com determinação. — Vamos reunir
nossos pertences e partir imediatamente! Peguem suas espadas de madeira e
pertences, somos quase adultos agora e estamos prontos para encarar o mundo!
— Eu estou tão
orgulhosa de você, Chris! — A garota abraçou o menino com carinho, mas quando
seus colegas começaram a rir, os dois se afastaram com as bochechas coradas.
— Ih, olha só, a Eleny
tá mudando de cor que nem eu quando fico no sol! — disse o lagartinho.
— É que estou muito
feliz por finalmente deixar Bausonne — falou a menina —, estou cansada dessa
vida onde nada acontece... vocês me ofereceram novas oportunidades!
— Obrigado por confiarem
em mim até agora — continuou Chris. — Eu prometo que guiarei todos vocês em
direção do sucesso, e ainda seremos ricos e muito famosos em toda a Sellure!
Em meio ao discurso,
uma voz foi ouvida. As crianças se viraram no mesmo instante.
— Estou impressionado.
Quem diria que existia um motivo nobre por trás disso!
Eles se viraram
depressa em busca de suas armas manufaturadas — espadas e lanças feitas com bambu
amarrado a cordas, selos mágicos comprados na feira, arcos feitos de cano
resistente e galhos pontudos como flechas. Os cinco se colocaram em posição,
dispostos a protegerem seu território de qualquer perigo iminente. Ralph por
fim revelou-se, parando de frente às crianças.
— Quem é ele? —
perguntou Eleny, escondendo-se atrás de Chris.
— É o cara que nós
encontramos na biblioteca — respondeu, ajeitando a boina em sua cabeça. — Foi
dele que nós pegamos o mapa.
Auria parecia destemida
e Lesten carregava armas de verdade que podiam machucar, embora nenhum deles
fizesse questão de ferir alguém, afinal, eram apenas crianças.
— Seguinte, molecada — começou
Lesten. — Não somos valentões e só queremos o mapa de volta.
— Vocês entregam para
gente e não revelamos seu esconderijo para ninguém — continuou Auria com um
sorriso terno.
Todos ficaram em
silêncio. Ninguém ousaria entregar o tesouro conquistado de mãos dadas.
— Ficamos observando
vocês a tarde toda, jamais entregaremos uma conquista merecida! — rugiu o
monstrinho que lembrava um rato. — Se quiserem de volta, vão ter que derrotar
todos nós!
— Juntos — respondeu a
menina colocando-se em frente, ainda que fosse visível que ela tremia. Devia
ser filha de uma família rica, pois nem estava vestida para brincar na rua.
Lesten revirou os olhos
e Auria coçou a cabeça. Os dois se entreolharam, compartilhando pensamentos. Não
havia alternativa — a defensora apenas levou a mão até a bainha de Melodia,
bastou um movimento para que as cinco crianças recuassem assustadas,
escondendo-se atrás de uma mesa caída e caixotes. O monstrinho com antenas tropeçou
e começou a chorar. Auria teve tanta dó deles que não soube como reagir.
— São apenas
crianças... Vamos deixá-los em paz.
— Crianças ou não, um
dia o mundo vai obrigar que elas cresçam — retrucou Lesten. — Quando se rouba,
independente da sua idade, é preciso estar preparado para as consequências de
ser capturado.
Ralph tocou no ombro de
seus amigos, e com um simples gesto, eles compreenderam que o garoto estava
para fazer alguma coisa. Ele faltou então em voz alta:
— Onde está o líder de
vocês? O meu mapa está sob sua posse. Acredito que terei de reconquistá-lo com
minhas próprias habilidades, de uma maneira justa.
Foi a vez do menino de
boina colocar-se a frente dos demais, desafiando o oponente.
— Qual o seu nome? —
perguntou Ralph.
— Meu nome é
Christopher. E essa é a minha equipe, somos guerreiros que lutam para ajudar as
pessoas.
Ralph revelou um
sorriso discreto. Por um instante, viu sua própria imagem refletida.
— Vamos fazer uma
aposta, Chris? Eu o desafio para um duelo. Você e sua espada, eu e a minha. Só
nós dois, o que acha?
O garoto virou-se para
seus amigos e eles começaram a murmurar baixinho, dividindo opiniões. Depois de
muito discutirem, Christopher cruzou os braços de maneira autoritária e falou:
— Mas você é adulto,
não vale. Eu estou em desvantagem, só aceito se todos os meus amigos lutarem
juntos.
— E você permitiria que
eles fossem feridos por uma decisão sua? Você não deveria ser o responsável por
protegê-los? — Ralph falou, balançando a cabeça.
Chris ficou
indiscutivelmente alarmado com o que ouvira, jamais colocaria a vida de Eleny
ou dos outros em perigo. Ralph ergueu-se e falou com ares de experiência e
compreensão:
— Um líder, antes de
tudo, deve ser o primeiro a tomar as atitudes; a inspirar os demais e
sacrificar-se por completo por cada um deles. E eles serão capazes de sentir e
reconhecer quando virem um. Não estou desafiando nenhum dos seus amigos, não
tenho problemas com eles — Ralph apontou para o menino. — Estou desafiando você.
Chris recuou incrédulo.
Sentiu vontade de chorar, mas não faria aquilo na frente de seus amigos. Ralph
continuou falando, como se o provocasse — ou, talvez, fazê-lo compreender.
— Vai aceitar o meu
convite para um duelo e permitir que o mapa seja disputado de maneira justa?
Chris apertou o punho
com mais força.
— Aceito.
Os dois se encontraram
na bancada de areia na encosta da praia, o vento soprava leve e as ondas
pareciam agitadas. Com o entardecer, Bausonne tomava uma tonalidade laranja
belíssima, Ralph e Christopher se encaravam, um de cada lado da arena
improvisada carregando suas próprias espadas de madeira.
“Pelo
menos a arma dele não é de verdade, eu ainda tenho uma chance”, pensou Chris.
Auria e Lesten
aguardavam sem dizer nada, observando com atenção as atitudes e movimentos dos desafiantes.
As outras crianças que acompanhavam Christopher gritavam e torciam por seu
líder, tinham confiança de que ele poderia vencer e proclamar o mapa de volta.
Acreditavam nele com todas as suas forças.
— Se você me desarmar,
prometo que deixo o mapa com você e nunca mais o incomodo. Muito pelo
contrário, passarei a respeitá-lo — contou Ralph.
— Você ainda não viu
minhas habilidades! — o menino fungou e limpou o nariz.
— Pois estou muito
ansioso para conhecê-las.
Christopher fez o
primeiro movimento, atacando com sua espada de madeira que nada acertou além de
areia. Ralph poderia ter o desarmado no mesmo instante, mas se conteve. Os dois
eram ágeis, mas Ralph era de uma destreza que impressionava, tinha velocidade
para desviar e atacar, mantinha os olhos tão fixos em seu oponente que parecia
ler seus pensamentos, prevendo os golpes mais improváveis
Lesten estava sentado sobre
uma enorme pedra observando a luta enquanto Auria jazia apoiada ao seu lado com
as mãos no bolso da jaqueta.
— Acha que ele ganha? —
o gecko perguntou.
— O nosso menino ou o
deles? — Auria riu, dando de ombros.
Lesten coçou a cabeça.
— Quando lutei contra o
Ralph e vi que ele só usava uma espada de madeira, eu o subestimei. Mas, em
meio à luta, com a adrenalina no ápice e os pensamentos todos dispersos, era
como se eu enfrentasse um herói de verdade — contou o lagarto. — Ele e a espada
eram como um só.
Auria devolveu o olhar
para o horizonte, reflexiva. Desde a primeira vez que colocara os olhos nele,
sabia que Ralph era diferente.
Chris golpeava o ar,
mas seu oponente dava saltos e só se defendia. Conseguiram trocar alguns
golpes, mas obviamente tudo não passava de um teste. A brincadeira acabou
quando Ralph deu um único e forte ataque frontal, acertando a mão da criança e
o fazendo largar a espada na areia. A gritaria das crianças cessou, seus amigos
foram tomados por um misto de decepção e surpresa.
— Chris! Chris! — Eleny
ajoelhou-se ao seu lado já com lágrimas nos olhos. — Pare, por favor, devolve o
mapa para eles! Não precisamos dele!
— P-precisamos, sim...
eu preciso — o garoto falou, segurando o choro —, quero ser grande, Eleny. E-eu
só queria que alguém enxergasse potencial em mim, mas parece que estou sempre
decepcionando as pessoas que amo...
Chris calou-se no
momento em que Eleny o abraçou, afagando sua cabeça entre braços finos e seu
vestido fino, compartilhando lágrimas de tristeza e emoção.
— Você faz a diferença,
sim, faz a diferença para mim. Posso viver aventuras todos os dias ao seu lado.
Não faça nada além do que possa suportar.
As cinco crianças
estavam agachadas na areia da praia em um círculo, lamentando a derrota de seu
líder, componente e amigo. Ralph caminhou até eles e, sem dizer mais nada,
estendeu a mão.
— Mapa — ordenou, dando
a entender que o queria de volta.
Christopher retirou sua
boina e entregou o mapa que estava todo amassado ali dentro.
— Sabe por que você
perdeu? — perguntou Ralph. Christopher olhou em sua direção. — Nós dois
tínhamos motivações, nós dois tínhamos amigos que torciam por nós e compartilhávamos
da mesma força de vontade, então, por quê?
— E-eu não sei... sou
só uma criança, como todas as outras...
Chris observava sua espada
caída na areia. Ralph pegou-a e ajoelhou-se em sua frente, devolvendo-a na mão
de seu dono.
— Eu também sou uma criança,
como todo mundo — Ralph sorria de uma maneira que só ele conseguia, um sorriso
capaz de distribuir bondade, inspirar pessoas e incentivá-las a continuarem
seguindo em frente. — Você perdeu porque os heróis precisam aprender a perder.
Não vivemos num mundo onde o bem sempre ganha, então não se permita iludir, ou
a queda será muito maior. Continuem treinando para se tornar mais forte.
Precisamos de mais heróis, gente capaz de realizar sonhos todos os dias e em
todos os lugares, ou nada vai funcionar.
Ralph guardou Lignum e
partiu para onde Auria e Lesten o aguardavam. Quando se preparavam para ir
embora, Christopher o chamou com a voz alta:
— Eu vou treinar para
ser um grande guerreiro um dia, que nem você! — bradou Christopher com os pés
firmes no chão. — Vou ajudar as pessoas que precisam, levarei meus amigos no
coração e os protegerei de qualquer perigo!
— Espero que você
continue assim mesmo depois de crescer — disse Ralph com um sorriso. — Certa vez, ouvi que ser adulto não é largar o que você gostava na infância, e sim, aceitar o que se
gosta sem se importar com o que os outros dizem. Nos
vemos daqui um tempo, tudo bem? Quando ambos nos tornarmos grandes.
As cinco crianças
gritaram “sim” em alto e bom tom,
ecoando por toda a costa da Cidade Laranja. O sol finalmente escondeu-se no
horizonte, encerrando aquele longo dia. Quando Christopher e seus amigos retornaram
para seu esconderijo de mãos vazias, Eleny chegou bem perto dele e segurou sua
mão, pois na manhã seguinte havia uma nova aventura à sua espera.
— Chris, quanto tempo
leva “um tempo”? — perguntou Eleny.
— Não sei... acho que
dura enquanto lembrarmos.
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