A Busca pelo Lendário Cavazevamuonga [Support]
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Conversation [Lesten e Auria]
Gênero: Aventura,
Comédia;
Tema: Lesten
recebe a difícil de missão de encontrar uma
criatura
lendária conhecida como Cavazevamuonga;
Inspirado
em ideias antigas da infância do autor.
Lesten visitava o quadro de avisos no café do
vilarejo sempre que tinha a oportunidade. Os dias monótonos na Pequena Colina
eram tranquilos e agradáveis, mas ele não conseguia esconder o quanto ansiava
por alguma missão mais arriscada, seu sangue reptiliano necessitava de ação e
aventura tanto quanto oxigênio.
Doppel trouxe-lhe seu pedido — dois pães na chapa, um
cafezinho sem açúcar e um delicioso sanduíche de presunto e queijo que já lhe
eram típicos — quando se deu conta do
desânimo de seu colega. O lagarto se sentava sozinho por tardes seguidas no
Soleil sempre que Ralph saía em alguma aventura com seu irmão no continente,
geckos não costumavam ficar entediados por muito tempo, mas era nítido o quanto
ele sentia falta do amigo.
— O cheirinho tá uma delícia — disse Lesten agradecido.
— Vou devorar tudo agora mesmo!
— É ótimo ouvir isso. Tudo aqui no Soleil é preparado
com muito carinho — falou Doppel, sentando-se na cadeira oposta à do lagarto
para descansar um pouco. — Ufa, aqui está uma loucura sem o Ralph. Pode não
parecer, mas um ajudante faz muita falta nos fins de semana.
— O ruivo é esforçado. Diferente de mim, que quebraria
qualquer coisa que encostasse — disse o lagarto entre risadas.
— Deixe-me perguntar, reparei que você está procurando
por missões no quadro de avisos. Por um acaso está procurando por emprego?
— Ah, eu não sirvo pra esse tipo de coisa, não. Gente
como eu não serve para receber ordens e trabalhar num lugar só, por isso é
comum nos cadastrarmos para realizar pequenas tarefas para a população, eu faço
isso desde que mudei para a Ilha dos Geckos para receber uns trocados —
explicou Lesten, distraído com sua comida. — Os habitantes de Pequena Colina só
pedem coisas do tipo: ajude um casal de velhinhos a colocar o filtro de água,
faça o meu jardim, troque as telhas. Eu sou um guerreiro, não um marceneiro!
— Eu entendo. Nunca acontece nada muito interessante
por aqui mesmo — respondeu Doppel entre risadas —, mas eu tenho uma oferta para
você. Volto para casa as cinco hoje, pode ser?
— Opa, estarei lá! Afinal, eu tô dormindo no seu sofá
de qualquer maneira...
No horário combinado, Lesten voltou para a casinha no
topo da colina e esperou Doppel balançando na rede. Mesmo que parecesse
distraído enquanto descascava laranjas, seu olfato e audição eram sempre
aguçados, dificilmente alguém conseguia surpreendê-lo.
— Veio roubar minhas laranjas, né, fêmea?
— Droga. Tentei te dar um susto, mas pelo visto você
estava bem atento — retrucou Auria que se aproximava devagar. A mulher trouxera
quatro garrafas de refrigerante para compartilhar com o amigo, depois deu um
salto para sentar-se sobre as espessas tábuas que contornavam a varanda e
propôs-lhe um brinde.
— E aí, como tem sido a vida na academia desde que
voltou a treinar na Vila das Pérolas? — perguntou o gecko. — Os humanos pegaram
no seu pé por ter desaparecido um mês?
— Que nada. Justifiquei com uma licença médica e uma
visita inesperada a um familiar doente em Constantia — explicou Auria. — Eu
voltei transformada. Todos estão notando em mim, até mesmo os professores.
Minhas notas e desempenho subiram de forma considerável, garanto que no próximo
semestre já serei escalada para ingressar no exército. Nossa viagem pelo reino
me fez muito bem.
— Tu é o bicho, fêmea. Não há nada que você não
consiga.
O lagarto compartilhou suas laranjas e os dois
conversaram sobre os acontecimentos dos últimos dias. Auria os visitava ocasionalmente
aos fins de semana, pois precisava pegar apenas duas conduções. Ela sentia
muita falta de viver na Pequena Colina e estar entre seus amigos.
Não demorou muito para que Doppel também chegasse do
Soleil. Lesten estava ansioso para ouvir mais sobre a tão aguardada missão que
seria enviado.
— Veja. Minhas flores estão desaparecendo — falou
Doppel enquanto mostrava o canteiro no jardim. Lesten estava preparando seu
discurso de “não sou jardineiro”
quando foi interrompido. — Pode até parecer um caso isolado, mas a questão é
que apenas uma espécie foi arrancada, trata-se de uma flor rara que cultivo
chamada Mother’s Flower, e elas são
vendidas a altos preços em datas comemorativas para representar gratidão.
— Talvez alguém as esteja roubando — ponderou Auria.
— Não, não. — Lesten debruçou-se para examinar o chão,
mesmo que já estivesse escuro. — Veja. Há pegadas aqui por toda a parte.
— Sim, foi por isso que decidi chamá-lo. Você conhece
bem de terrenos e monstros, e aqui está um rastro que eu não soube identificar.
Imagino que se trate de um estranho bando de criaturas diversas, pois veja, há
marcas que se assemelham ao casco de cavalos, mas também de algum tipo de
felino, grandes e pequenos. Que tipo de animal iria misturar-se assim com
outros de diferentes espécies?
— Olha, eu tenho um palpite do que se trata, mas... tu
tem que prometer que não vai rir de mim — disse o gecko com o semblante sério. —
Esse rastro está com cara de ser de um Cavazevamuonga.
Auria precisou conter a risada pelo nariz.
— Que merda de nome é esse? — brincou a defensora.
— É uma criatura lendária que hoje só existe em
histórias perdidas e livros infantis. Dizem que eles habitaram Sellure desde os
tempos imemoriais, mas foram desaparecendo conforme as pessoas se corromperam,
pois eles são muito sensíveis à energia das coisas.
— E por que você chegou à conclusão de que essa pegada
pertence a um... — Auria fez um sinal breve com a mão — chupa-cabra, sei lá
como você o chama.
— Ca-va-ze-va-mu-on-ga.
É uma quimera de diversas espécies, a mais conhecida surgiu entre a junção de um
cavalo, uma zebra, uma vaca, uma mula sem cabeça, uma onça e um gato.
— E o que seria uma mula-sem-cabeça? — Doppel perguntou
intrigado.
— Sei lá, é que dizem que eles trocam de cabeça de
tempos em tempos. Aí enquanto ele fica “descabeçado”, do seu pescoço saem
labaredas de fogo. É uma parada sinistra, tá ligado?
Dessa vez nem Doppel aguentou ouvir tamanho absurdo.
Lesten revirou os olhos e foi deitar-se na rede, pois para ele discutir a
origem de monstros mitológicos era algo muito sério. Antes de se retirar,
Doppel tocou seu ombro e falou de maneira gentil:
— Sinta-se livre para aceitar a missão, se quiser.
Experimente investigar o que for necessário, não me importa se você conseguir
comprovar a existência dessa criatura ou não, contanto que ela pare de roubar
minhas flores.
— Beleza, eu aceito sim! — disse o lagarto com
prontidão.
— Perfeito. Aguardo os resultados. Agora, se me derem
licença, vou tomar um banho rápido e assistir minha novela antes de dormir —
despediu-se Doppel, deixando as duas visitas cheias de expectativa na varanda.
— Isso vai ser mais interessante do que imaginei! Caçar
um monstro raro desses certamente aumentaria meu reconhecimento na Sociedade
dos Caçadores de Monstros.
— Eu nem sabia que você fazia parte de uma sociedade,
lagartixa — respondeu Auria.
— Pra onde tu achou que eu mandei todos os espólios da
nossa jornada? A base fica em Trajan, tem carteirinha de sócio e tudo. Eles
fazem um registro e às vezes até pedem para que o artefato em si seja doado
para o museu da capital, mas me disseram que meus itens não tinham nenhum valor
e devolveram todos...
— Eles são importantes para você, e isso é o que
importa.
— É, tu tem razão. Estou tão ansioso para começar a
caçada que poderia sair agora mesmo, mas no escuro não vai adiantar nada —
ponderou o lagarto. — Ei, fêmea, o que acha de ser minha parceira nessa
aventura?
— Eu? — Auria perguntou surpresa, nunca antes Lesten a
convidara para fazer parte de nenhuma de suas missões malucas. — Estou exausta,
tive uma semana puxada na academia...
— Qual é, tu é perfeita para o papel!
— Jura?
— Não. O Ralph era minha primeira opção na verdade.
— Só me diga uma coisa: você vai me tratar como sua
parceira ou ajudante? Porque não quero sair por aí carregando equipamentos
pesados enquanto você se diverte caçando. O fato dessa ser minha primeira
tarefa reconhecida me agrada, mas qual seria a recompensa?
— Podemos pedir um mês de sanduíche grátis pro Doppel!
— Eu super topo.
— E acrescento que você será minha fiel companheira,
óbvio. Nenhum livro consta o nível de ameaça dos Cavazevamuonga, não se sabe se são agressivos e qual nível
de perigo representa, então, se alguma coisa acontecer comigo, eu preciso que
tu leve o meu corpo de volta e espalhe para o mundo meus feitos gloriosos para
que eu seja reconhecido.
— Isso vai ser mais interessante do que imaginei.
i
Auria despertou com
um susto quando Lesten entrou em seu quarto já trajado de armadura e com sua
lança em mãos. A moça procurou pelo despertador que ainda nem havia tocado — cinco e meia da manhã, o sol mal tinha
nascido — na verdade, ninguém na Pequena
Colina inteira devia ter acordado.
—
O que tu tá esperando, fêmea? Os monstros acordam cedo, essa é a melhor hora
para caçá-los!
—
Ah... eu acho que não vou mais — murmurou a mulher com a cara no travesseiro. —
Minha cama está tão confortável...
—
Tá doida? Tu me prometeu, agora deve cumprir a palavra! Simbora, levantar
cedo é só uma das partes emocionantes da viagem. Já imaginou que tu vai
poder ver o nascer do sol na colina, sentir cheiros que nunca sentiu antes,
vislumbrar os animais em seu habitat natural, e... ei, tu tá me ouvindo?
Auria
roncava baixinho ao seu lado. Ao dar-se conta de que não havia nada que pudesse
fazer para tirá-la dali, o lagarto decidiu usar suas artimanhas mais criativas.
Algo
molhado tocou seu rosto, o que fez a mulher levantar-se aturdida.
—
O que você fez comigo?
—
Eu lambi a tua cara. Agora que tu acordou, se troca logo e vamos caçar.
—
Eu te odeio, lagartixa.
O
dia mal tinha começado quando a dupla deixou a casa no topo da colina. Auria
caminhava devagar com as pernas tortas feito uma Capivara Zumbi sem rumo algum,
estava tão sonolenta que não conseguia acompanhar a agitação de seu amigo gecko
que ficava mais ativo nas primeiras horas da manhã.
Como
a Pequena Colina se localizava em uma ilha isolada do Mar Plano, não havia
nenhum outro lugar para onde o raro monstro pudesse ter fugido, logo, a
perseguição não se estenderia por vários dias. O principal problema era que
Lesten não tinha nenhuma pista do que eles comiam, onde viviam e quais formas
assustadoras poderiam assumir — e se dentre suas mirabolantes transformações
estivesse também a de pássaro? O Cavazevamuonga
não teria problemas para voar longe dali, ou quem sabe até esconder-se nas
profundezas do oceano caso a forma de animal marinho fosse uma opção.
—
Então estamos nos baseando em um livro infantil para caçar essa criatura? —
Auria perguntou, seguida de um bocejo. — Eu não sei nem com o que esse bicho se
parece.
—
Eu já falei, é uma mistura louca de cavalo, zebra, vaca-- ah,
deixa eu desenhar logo para tu ver se entende.
O
gecko tirou seu caderno de anotações do alforje e começou a rabiscar a criatura
de acordo com as lembranças que tinha dos tempos em que frequentara a
pré-escola de lagartinhos. Auria já estava rindo só de vê-lo tentar manusear um
lápis; terminada sua obra de arte, ela riu ainda mais.
—
Ah, ele é mais fofo do que imaginei — Auria disse com educação, escondendo o
fato de que o desenho parecia ter sido feito por uma criança de cinco anos.
—
Tá vendo os detalhes que coloquei? Ele tem a cabeça de um gato, mas presas e
garras afiadas como as de uma onça. As marcas em seu corpo lembram pintinhas ou
listras, há quem diga que são bolinhas coloridas. Já as pastas podem se
transformar em grossas pernas de um cavalo, por isso eles correm com uma
velocidade absurda e nunca conseguem ser capturados. O rabo deles também é todo
listrado, que nem das zebras. E eu coloquei esse sininho no pescoço porque... pra
ser sincero, não sei onde entra a vaca nessa descrição.
—
Fala a verdade, você inventou tudo isso.
— Heresia! — contestou o lagarto. — Eu nem
teria criatividade para isso.
—
Bem, o que importa é que se esse bicho surgir na nossa frente, não vai ser
muito difícil de perceber que algo está errado — comentou Auria, ainda
distraída com o desenho. — Olhe só para a carinha dele, os olhinhos lembram
um par de jabuticabas.
—
Tu esqueceu que sai fogo da cabeça dele.
—
Eu jurava que era o cabelinho.
A dupla tomou o
percurso que começaria contornado as zonas mais remotas da ilha. Há muito tempo
Ralph e seus amigos visitaram as montanhas de Pequena Colina para acampar,
aquela fora uma de suas primeiras aventuras na região e todos se divertiram
muito. Colina não era famosa por monstros perigosos, nada de especial acontecia
em seus arredores e a experiência requerida para que iniciantes começassem sua
jornada ali beirava o Nível 1.
Por volta das dez
horas, Auria espreguiçou-se revigorada. Finalmente se dera ao direito de curtir
a aventura, a paisagem era belíssima e o contato com a natureza diversificava
da paisagem de sempre que tinha na academia. Talvez aquela missão até ajudasse
em seu treinamento de sobrevivência.
A caçada se
estendeu até o meio dia, quando os dois fizeram uma pausa para o almoço. Após
atingir a praia no outro extremo da ilha, Lesten ainda não tinha nenhuma pista
que o levasse até o Lendário Cavazevamuonga.
—
E se estivermos perseguindo a presa errada? — cogitou a mulher. — Digo, pode
ter sido qualquer coisa que roubou aquelas flores, até mesmo uma pessoa.
—
Meu instinto aponta o contrário. Vamos lá, fêmea, isso não te deixa excitada?
—
Err... não.
—
Nada nesse mundo te impressiona, não é mesmo?
—
Não diga bobagens, é bem fácil de me impressionar — disse Auria entre sorrisos.
— Por exemplo, o Ralph. Ele é sempre tão cheio de improvisos que sempre sou
pega desprevenida, gosto dos abraços dele e da maneira como ele fica me olhando
um tempão, o que me deixa super sem graça, visto que não consigo encarar
ninguém nos olhos.
Lesten
aproximou-se dela e ajoelhou em sua frente, mantendo o semblante circunspecto.
Auria recuou acuada, esticando o braço em sua direção para que ele parasse.
—
O que você tá fazendo? Isso é embaraçoso.
—
Eu estava testando uma coisa — respondeu Lesten. — Acho que tu nunca esteve com
ninguém.
—
Estar com alguém no sentido de... namorar?
—
Também. Mas eu digo pra acasalamento.
Auria
corou ainda mais envergonhada.
—
E por que você chegou a essa conclusão, senhor sedução?
—
Instinto. E também o teu cheiro, é muito fácil para os geckos sentirem quando a
fêmea está naquela fase, sabe? E acho que o fato de você não conseguir nem
encarar alguém na cara mostra um lado bem tímido seu, apesar de tu sempre
tentar bancar a durona.
— Tá,
e qual o problema? Eu nunca fiquei com ninguém mesmo — Auria afirmou irritada. —
Parece que os caras são intimidados por minha aparência, eles devem achar que
sou assustadora por ser mais alta do que eles, ou que não sou meiga e feminina
o bastante.
—
Vacilo deles, não sabem o que estão perdendo. Machos assim têm o ego frágil
demais para tentar algo contigo. Pode parecer que não, mas nós, geckos, também
não saímos por aí feito animais descontrolados. Geckos são as criaturas mais
fiéis do mundo, sabia? E, pode não parecer, mas também somos superprotetores
com nossos filhotes. Dizem que as fêmeas que perdem sua ninhada sofrem de uma
doença que as faz desejar nunca mais ter outro filho. Muitas vezes elas são
levadas a adotarem outras raças para compensar a perda.
—
Sério? Será que foi isso que aconteceu com o Ralph? — perguntou Auria.
—
É provável — presumiu Lesten. — Geckos podem ter seus inúmeros defeitos,
mas garanto que tu nunca vai se decepcionar caso namore um.
—
Heh, heh. É, seria interessante.
— A
seu dispor — brincou Lesten, galanteador.
Os
dois se afastaram e um breve silêncio se estabeleceu. Lesten coçava a cabeça
enquanto Auria brincava com suas madeixas e refletia sobre o assunto.
—
Eu queria saber como é beijar alguém. Queria que fosse... especial — murmurou
Auria, como se estivesse com aquilo preso na garganta desde que era uma
adolescente. Lesten voltou-se para ela impressionado, era a primeira vez que
sua amiga compartilhava um segredo tão íntimo com ele.
—
E o Ralph? Chega nele, ué. Essa coisa de que é sempre o cara que tem que tomar
iniciativa é baboseira.
—
Ah, o Ralph é tipo o meu irmãozinho caçula. Eu quero protegê-lo de todas as
formas. Eu ainda não sei o que sinto por ele, mas é um amor terno e vivo com
medo de estragar tudo caso ele não compreenda. Será que conseguiríamos
continuar sendo amigos caso ele me rejeitasse?
—
Ele é o Ralph, fêmea. Vai te amar pelo resto da vida. Juro que não entendo
por que os humanos têm tanta dificuldade em usar essa palavra. Se tu
gosta de alguém, vai lá e fala, ué! Olhe só para você, tu é gostosa demais! E vou te contar, eu não curtia
muito as fêmeas humanas antes de te conhecer, mas tu tem um rabão que tira a
concentração de qualquer um.
Auria
soltou uma gargalhada alta da brincadeira descarada. Algumas garotas poderiam
ter ficado irritadas, mas ela apreciava a maneira como Lesten era sempre
sincero e espontâneo. Geckos não precisavam de mais de um minuto para resolver uma
situação que os incomodasse; assim como fariam questão de usar todas as
palavras que seu vocabulário limitado permitisse para elogiar.
—
Eu preciso aprender a dizer em voz alta o que sinto — admitiu Auria. — Não quero
mais perder oportunidades.
—
Tá tudo bem, faça isso no seu tempo — disse o lagarto, sentando-se ao lado
dela. — Você não precisa seguir o modelo de ninguém. Entre geckos não existe
essa de “antes dos trinta tu precisa se casar, ter filhos e construir um lar”.
Sabia que há relatos de figuras históricas de minha raça que se casaram aos
sessenta anos e tiveram inúmeros filhotes?
—
Acho que nunca vou ser mãe.
—
Se você vai ser mãe ou não, aí eu não sei, mas que tu leva jeito, isso é!
—
Acha mesmo? — Auria sorriu para ele. — Tenho medo de arremessar meu filho da
janela se ele me irritar.
—
Nem me fale, cuidar de crianças é para poucos. Se bem que eu acho essa uma
tarefa louvável, tá ligado? Tem que ter dom para ser pai ou mãe. Quando ouço
falar que na sua raça é muito comum o divórcio, sério, eu fico possesso!
Abandonar um filhote é uma desonra tremenda, é como ser considerado um traidor.
Mesmo que dois geckos se odeiem, eles cuidarão de sua ninhada pelo resto da
vida.
—
Isso é mesmo interessante. Adoro saber mais sobre os geckos — admitiu Auria,
abraçando os próprios joelhos. — Antes de dormir, vivo imaginando durante as
madrugadas o que o futuro me aguarda. Será que vou encontrar minha cara metade?
Será que minha primeira vez será especial, ou esta sou eu apenas criando
expectativas demais e sonhando minha vida de princesa?
—
Olha, fêmea, o único conselho que posso te dar é se deixar levar. Tu tem todo o
direito do mundo de escolher quando e com quem, mas também não imagine demais,
porque na hora pra valer a coisa toda é sempre uma bagunça e nada sai como
planejado, heh, heh — falou o lagarto. — Sempre siga o seu coração, tá bem? Eu
chamo isso de instinto, mas deve ser a mesma coisa.
—
Obrigada pela conversa, Lesten. Eu só costumava falar assim com minhas irmãs, e
sinto muito a falta delas.
—
Estou aí para tudo! Tu é a minha garota afinal, parece até com um... MONSTRO!
— ...sério?
Você é meio instável, lagartixa.
Lesten
apontou com sua lança para trás da moça onde uma criatura bizarra caminhava
devagar na encosta. Ela era exatamente como no desenho de Lesten — uma combinação
desvairada de animais num só lugar; com olhinhos de jabuticaba e pintas
confusas que se misturavam como uma obra artística. A maior diferença estava no
tamanho, pois ele não media mais do que sessenta centímetros de comprimento, e
não mais de dois metros como diziam por aí.
Auria
ativou a armadura de sua jaqueta em caso fossem atacados de surpresa, embora a
criaturinha pastasse com tanta calma comendo um pouco de grama que era
impossível considerá-la uma ameaça.
A
mulher aguardou qualquer sinal de seu parceiro. Se Lesten quisesse mesmo
matá-la, teria arremessado sua lança com uma velocidade que a teria perfurado
ao meio. Ele fez sinal de silêncio e apontou para que a acompanhassem.
Auria
o seguiu da forma mais minuciosa que pôde, ficava nítida a destoante diferença
entre suas habilidades, Lesten era um exímio caçador que subia em árvores e se
arrastava pelo terreno como se fosse parte dele. O Cavazevamuonga devia morar ali perto, logo, os dois o
seguiram até um tronco de árvore tombado após um vendaval que servia de abrigo.
Auria observou a criatura se aproximar devagar e deitar-se em um berço feito de
folhas e flores coloridas onde três pequenos filhotes ainda tinham os olhos
fechados — e eles eram de uma mistura ainda mais bizarra do que sua mãe; o
primeiro nascera com um par de asas, o segundo, com uma cauda de peixe; e o
terceiro, bem... era o mais normalzinho deles por ter cinco patas. Ela começou
a amamentá-los, completamente alheia ao fato de que estava sendo vigiada, pois
naquele momento tudo que importava eram seus filhotes.
—
É uma mamãe — sussurrou Auria com a voz encantada.
—
Ela recolheu flores para construir um berço! Como não pensei nisso? Agora me
lembro de que as ilustrações do livro eram todas coloridas e cheias de flores
diferentes.
Os
dois se entreolharam e não precisaram dizer em voz alta que preferiam ver
aquela criatura livre para cuidar de sua ninhada, talvez os últimos Cavazevamuonga que viveriam em segredo
no santuário que era a Pequena Colina.
ii
Ao
retornarem para casa, Auria e Lesten contaram todos os detalhes de seu encontro
para Doppel que os ouviu admirado. Ele não se importava de cultivar mais flores,
se aquilo significasse que os futuros filhotes as buscariam para enfeitar sua
morada.
No
fim da tarde, a dupla estava exausta de tanto andar a ponto de desabarem no
sofá da sala. Quando Ralph e Raegar voltaram de viagem eles compartilharam
outra vez os acontecimentos recentes e todos riram muito. Lesten preferiu não
revelar a existência do lendário Cavazevamuonga
para a Sociedade dos Caçadores de Monstros, pois temia que a exposição os
deixasse em um estado de frenesi. Enquanto ele vivesse na ilha, nenhuma outra
raça colocaria em risco a segurança daqueles filhotes. No fim das contas, a
experiência valera mais do que qualquer sanduíche feito por Doppel, que de
qualquer maneira os recebeu com um bolo de cenoura com cobertura de chocolate
quente que fez toda a jornada valer a pena.
Auria
pegou Lesten rabiscando em seu caderninho de anotações, e quando esgueirou-se
por trás dele para ver do que se tratava, levou um tremendo susto com o susto
que lagarto levou.
— Cruzes! Nem te vi aí, fêmea!
—
O que você estava fazendo?
—
Ah, nada não, só atualizando o meu desenho... de fato, acho que eles não soltam
fogo pela cabeça, isso devia ser coisa da minha imaginação, mas descobri qual
parte no Cavazevamuonga representa
a vaca.
—
E qual seria?
— A palavra proibida: tetas.
Os
dois riram e foram dormir.
Notas do Autor
O Cavazevamuonga é um desenho que sobreviveu ao tempo, tendo sido ilustrado em meados de 2006/2007 no canto de uma folha de caderno, e sabe-se lá qual foi a sua origem. A imagem de capa do capítulo é a mesma daquela época, então ela de fato foi feita por uma criança.
Eu adoro escrever Supports baseados em anotações antigas minhas porque elas são sempre cheias de ideias malucas. Nem sempre elas servem para o livro, mas dá para criar muita coisa engraçada disso. Vejam só, foram 3900 palavras sobre uma quimera bizarra que come flores!
Outro motivo que me levou a escrever esse support foi uma categoria do The Omascar. Lá em Melhor Casal muita gente se assustou com Lesten x Auria como um dos indicados (eles não receberam nenhum voto, só para constar). Cheguei até a ouvir algumas frases como: QUEM SERIA LOUCO DE SHIPAR ESSES DOIS? Mas eis aqui a verdade: eu até que gosto deles juntos. Não é do tipo de shipp fofo como Ralph x Auria, mas eles aprenderam a respeitar um ao outro e tiveram uma tremenda evolução desde o dia em que se conheceram na Ilha dos Geckos. Os dois podem conversar sobre assuntos que não aconteceriam com o Ralph junto, por exemplo, então foi me diverti muito vendo que mesmo sem o protagonista da história eles conseguiram segurar um capítulo inteiro. Espero que tenham se divertido com essa curiosa junção!
Quem é RalphxAuria na fila do pão com Lesten no caminho mano? hahshahshahsha
ResponderExcluirBoatos que eu demorei pra ler pq parei umas 3 vezes pra pronunciar o nome do CAVAZEMUONGA e eu ainda não aprendi. hahsbabsa
Que support maravilhoso! (ninguém vai morrer né?)
Foi muito legal ver esa interação entre a lagartixa e a fêmea,e mais legal ainda ver que a Auria tem muito mais de mim do que eu imaginava :')
Alguém faz um meme da Auria arremessando um bebê pela janela? ahshahshahs
Achei meigo demais esse support todinho. Até aqueceu o coração.
Agora se me der licença, vou ali praticar a pronúncia do nome do bicho
See ya Canas
PS : TU USOU A PALAVRA PROIBIDA! TETAS!
Lesten x Auria veio para provar que todo mundo em Matéria pode ser shippado HUAEHUAE Pode admitir que você deu Ctrl+C no meu CAVAZEVAMUONGA. Até eu quando vou escrever digito umas letras, paro, releio e olho de novo só para ter certeza kkkk Revisei o capítulo umas três vezes pra ver se não tinha misturado tudo.
ExcluirMas deixando a zoeira de lado, fiz esse support não com o intuito de ser uma comédia pura ou aqueles ecchis descarados. Ele fala muito sobre a amizade desses dois, o que ficou mais fofo do que eu imaginava! O Lesten evoluiu muito daquele cara folgadão do começo, os dois se respeitam muito agora e é o tipo de conversa cotidiana que jovens gostam de ter. O livro nunca apresentou a oportunidade de falar sobre isso, tem muito leitor que acharia esquisito, mas capítulos como esse mostram porque esses três são amigos tão próximos, nenhum fica para trás.
Auria vai arremessar o Duke pela janela também, ele já deve estar acostumado HUAEUHHUEA Fico feliz que você tenha ficado com o coração quentinho e se identificar em tanta coisa da Auria, acho que meus personagens sempre acabam absorvendo um pouquinho das pessoas ao meu redor :3 É sempre um prazer te ter aqui, obrigado por comentar!
OH NÃO, A PALAVRA PROIBIDA FOI DITA EM VOZ ALTA! O livro só poderá ser vendido para adultos agora kkkkkkkkk