O Passado da Ordem - Travessuras na Escuridão (Parte 3)
Travessuras na Escuridão
– Elma –
Como o público estava escasso nos
mercados de Elmud nas semanas que se seguiram, Tootie e a Srta. Cléo se
dirigiram rumo ao sul em direção a Bausonne, capital de Century. Bastava-lhes
um espaço amplo e um carpete esticado para começar as apresentações — Cléo fazia
uso de seus poderes para manipular areia e criar esculturas mágicas que se
moviam, o que animava sua audiência e lhe rendia alguns trocados. Tootie a
observava cheia de admiração, treinando sempre que podia. Carregava consigo um
pequeno vaso de areia de sua terra natal para praticar os próprios bonecos, mas
nunca conseguiu fazê-los se mover por conta própria, pois se desmanchavam em
poucos minutos.
Durante uma das apresentações de sua
senhora, Tootie percebeu que outra criança aproximou-se dela, avaliando o seu
mais recente trabalho.
— O que é isso? — perguntou o menino.
Tootie encolheu os ombros e desejou que
ele fosse embora. Sua memória a levou de volta para as tantas vezes em que
ouvira alguém criticar seu trabalho, insultar seus bonecos e chamá-los de monte
de bosta; isso quando a situação não envolvia gente de mal caráter que só
queria se aproveitar de sua inocência.
O garotinho loiro, que assim como ela
devia ter por volta de seus dez anos, apoiou-se nos joelhos para entender
melhor o que a garota estava fazendo.
— Isso é muito legal — ele falou ao
tocar com a ponta do dedo a cabeça da escultura que se desfez. — Eita, me
desculpa! Eu não queria ter estragado...
— Tá tudo bem — respondeu Tootie,
cabisbaixa. — É só fazer outro.
— Você é uma tótines também?
Tootie fez que sim com a cabeça,
concentrada em seu trabalho.
— E como consegue dominar seus poderes
tão bem com essa idade?
Tootie parou por um instante e olhou
para ele.
— Você tá sendo irônico? — ela perguntou
cheia de insegurança.
— N-não, é que eu nem descobri os meus
poderes ainda — o rapazinho falou meio encabulado. — Ah, quem me dera saber
controlar um dos grandes elementos. Até agora eu só descobri a minha
transformação, mas nem isso eu faço direito.
— E no que você se transforma? — Tootie continuou.
— Ah, não é nada demais — disse o
menino, tentando não soar convencido. — Consigo dobrar de tamanho, faço asas
crescerem e me transformo em um dragão!
— Jura? — Tootie disse boquiaberta,
estava incrédula. Ela revirou seu jarro de areia e começou moldar o barro e
terra até que tomasse a forma de um dragãozinho em miniatura. — Que nem um
desses aqui?
— Sim, só que bem maior! — falou o
menino. — Acha que consegue fazer um desses gigante? Seria legal se pudéssemos
voar nele para longe daqui.
A menina concordou, revirando a bolsa de
sua senhora em busca de mais areia. O garoto ficou de olho e percebeu a pérola
que escorregou para fora, mas logo voltou ao seu local de origem. Ele voltou a
encarar Tootie, que sorria animada com o reconhecimento.
— Ainda não sei seu nome — ela insinuou.
— É William.
— Que chique — Tootie revelou um sorriso
meigo. — Eu queria ter um nome assim.
— E qual é o seu?
— É Tutantótines Ankha, terceira da
minha linhagem.
— Hah, hah. Tá falando sério?
— Pode chamar só de Tootie — disse a
menina, ajeitando a franja atrás da orelha.
Durante algum tempo, as duas crianças
trocaram interesses e se divertiram montando esculturas de areia. Cléo lhes
lançava olhares de relance, parecia satisfeita pelo fato de sua menina ter
encontrado alguém com quem pudesse se divertir, permitindo que ela continuasse
seu show sem que fosse interrompida.
Quando estava entardecendo, Bill
levantou-se e limpou a barra da calça, suas vestes eram finas, mas ele não se
importou em sujá-las um pouco por causa da terra em suas mãos.
— Está ficando tarde, minha mãe deve
estar preocupada — disse Bill.
— Tudo bem. Adorei te conhecer — falou a
menina. — Acha que posso te ver de novo?
— Claro! Em que parte da cidade vocês
moram?
— Nós não temos uma casa — disse Tootie.
— Eu e a Srta. Cléo seguimos para onde houver movimento, mas temos um
esconderijo bem afastado no norte do Deserto Elmud, entre as montanhas.
— Em Elmud? E vocês vieram andando todo
esse caminho?
— Já estamos acostumadas.
— Puxa, eu até as convidaria para ficar
em casa, mas... — Bill cerrou os punhos. — Bem, espero que dê tudo certo para
vocês. Nos vemos por aí, Tootie.
O menino acenou para ela e misturou-se
entre a multidão. Como o público também tinha diminuído, Cléo deu por encerrada
sua apresentação e começou os preparativos para a partida.
— Encontrou um namoradinho, é? — caçoou
a mulher.
Tootie virou-se para ela com os olhinhos
apaixonados e perguntou:
— Eu posso casar e ter filhos com ele?
— Tá
louca?! Quem anda te ensinando essas coisas, menina?
— F-foi a senhora! — respondeu,
amedrontada.
— Você é muito nova para entender essas
coisas. Ouça o que estou dizendo, todo homem tem segundas intenções quando se
aproxima. No fim das contas, você sempre vai quebrar a cara.
— Mas o Bill é diferente. Ele é fofo, um
verdadeiro cavalheiro, e consegue se transformar em um dragão!
— Olha a bolsa — ordenou sua tia.
Tootie abriu a bolsa e contou ali as
moedas adquiridas na tarde, estava no seu devido lugar; o jarro de areia,
brinquedos e pertences pessoais, mas algo desaparecera.
— A Pérola — confirmou a menina, sua
expressão minguou até se transformar em desamparo. — Foi... foi ele quem
roubou?
— Você ainda tem dúvida? Eu fiquei só de
olho, mas não quis perturbá-los, porque senti que estavam se divertindo de
verdade. O garoto tem mão leve, mas não leva jeito para ser um ladrão, pela
forma como estava vestido deve estar passando por dificuldades.
— M-me perdoa, Srta. Cléo... —
lamentou-se Tootie com lágrimas nos olhos. — Eu sou mesmo uma imprestável...
sei como aquele tesouro era muito importante para você, e eu o perdi.
— Ora essa, então vamos lá recuperá-lo!
— Mas como?
Cléo apontou para o chão onde se via uma
fileira de pequenas criaturinhas de areia parecidas com baratas. Elas se
aglomeravam aos montes e passavam despercebidas na cidade, mesmo quando
pisoteadas, reassumiam sua forma e continuavam indicando o caminho por onde o
menino loiro passara. As duas aprontaram seus pertences e seguiram o rastro do
gatuno.
i
Bill estava suando de inquietação e
ansiedade, era a primeira vez que furtava alguma coisa, fora bem mais fácil do
que imaginara. Primeiro sentiu um aperto, pois realmente gostara de Tootie; mas
depois veio o alívio e satisfação, uma vez que a pérola roubada tinha um brilho
dourado tão intenso que deveria valer uma nota.
A estrada de tijolos amarelos serviu
como referência para encontrar seu caminho até o parque, onde as ruas eram pouco
iluminadas e as árvores montavam uma muralha verde em volta de uma construção
antiga. Havia uma mulher solitária sentada sobre um banco de madeira desbotada,
o menino correu até ela e mal conseguiu expressar-se devido a agitação.
— Bill, onde esteve? — Sua mãe
levantou-se apreensiva, cogitara tantas opções de castigos que agora só
conseguia sentir-se aliviada em ver o seu menino a salvo. — Você sumiu a tarde
toda, não brinque assim comigo!
— Você não sabe o que eu consegui! — falou
Bill, retirando uma sacola de pano do bolso que continha a Pérola de Ouro.
— Onde encontrou isso? — perguntou Amélia
com o semblante alterado.
— Eu encontrei na rua. Sei que as
pérolas perderam o valor comercial há muito tempo, mas essa aqui parece
diferente, né? Nós podemos tentar vendê-la para conseguir dinheiro e recuperar
nossa casa!
— William Von Altenburg, eu só vou
perguntar mais uma vez: onde foi que conseguiu essa pérola?
O garoto desviou o olhar, pois nunca
sabia como encarar sua mãe furiosa. Imaginava que seria recompensado de alguma
maneira, ansiava por vê-la sorrir outra vez; não conseguia mais suportar aquela
vida nas ruas desde que seu pai e seus irmãos foram mortos.
— Eu roubei porque a gente precisa mais
do que eles.
Ouviu-se um tapa que ecoou distante no
parque. Bill segurou o choro e manteve a fronte baixa. A dor que o consumia era
por tê-la desapontado.
— Não se permita rebaixar. Não perca sua
dignidade — disse Amélia.
— M-mas eles levaram tudo que nós
tínhamos, mamãe... eu nunca vou conseguir viver nas ruas — lamentou-se o
menino. — Eu queria que o papai estivesse aqui. E o Zack, a Velouria...
Amélia ajoelhou-se e envolveu o garoto
em seus braços. Bill assustou-se ao vê-la chorar também, os últimos meses não
tinham sido nada fáceis; sem o trabalho de seu pai a casa foi a leilão e eles
tiveram que sair às pressas, Amélia não tinha condições de manter a vida dos
Altenburg como nos tempos áureos e o medo constante de que a Silenciadora
voltasse para finalizar o trabalho lhe arrancava qualquer paz e sossego. Bill
juntou os braços e permitiu-se chorar baixinho no colo dela, onde ninguém veria
seu momento de fraqueza.
— Eles não levaram tudo, porque ainda
tenho você, meu bem — falou Amélia com a voz doce, aninhando-o para próximo de
si. — Meu menino.
— Sei que o que fiz foi errado, mamãe...
elas foram tão gentis comigo...
— Você saberia reconhecê-las? Podemos ir
ao mercado amanhã e, se você encontrá-las, devolva a pérola e peça desculpas.
Pode ficar tranquilo que estarei ao seu lado e darei uma explicação.
— ... nenhuma explicação será necessária
— ouviu-se uma voz distante.
Bill encolheu-se atrás da saia da mãe
quando a Srta. Cleópatra surgiu das sombras. Ao seu lado estavam dois
gigantescos golens feitos de terra como se fossem seus seguranças. A pequena
Tootie também a acompanhava, os olhos avermelhados e a desconfiança de que o ladrãozinho
voltasse a tramar mais alguma coisa contra ela.
— Não será necessária violência. Aqui
está o que foi furtado — respondeu Amélia, oferecendo a sacola de pano.
— Oh, mas depois de roubar o
coraçãozinho de minha menina, acha que permitirei que saiam impunes? —
confrontou Cleópatra, dando a entender que não perdoaria aquela ousadia tão
facilmente.
Amélia reuniu suas mãos, de onde
pequenos pedaços de algodão começaram a se aglomerar até se transformarem em um
monstro fofo e branquinho que tentava ser ameaçador. Cléo arqueou uma das
sobrancelhas e perguntou:
— É sério isso? Se eu assoprá-lo é capaz
desse bicho desaparecer.
— Bem, nossa família não é muito
conhecida por ter magias poderosas, mas... lutamos com as armas que nos são
oferecidas, não é? — respondeu Amelia com um sorriso encabulado.
Cléo fez uma pose dramática e riu de
forma histérica. Tootie não sabia se devia copiá-la ou se continuava quieta,
pois estava louca para abraçar o monstro de algodão.
— Poupe-nos desse showzinho! Eu jamais
atacaria uma mãe ao lado do filho. Sem contar que sou uma mulher das ruas experiente
e não permitiria que um tesouro como aquele ficasse jogado onde qualquer idiota
pudesse ver.
Ao estender a mão, Cléo materializou uma
Pérola de Ouro semelhante àquela roubada por Bill. Amélia verificou a sacola e
percebeu que só havia areia dentro.
— Agora que terminamos aqui, vamos ao
que realmente importa. Eu quero que o seu menino peça desculpas para minha
menina — ordenou Cléo.
— Err... só isso? — perguntou Bill.
Então se cometesse algum crime, bastava pedir desculpas que tudo estaria
resolvido?
— É, sim — falou Cléo com ironia. —
Agora, se ela irá aceitar, aí é outra história.
Bill aproximou-se devagar e sem jeito,
Tootie fez o mesmo até que os dois pararam a alguns palmos um do outro. Para
crianças era sempre difícil admitir um erro, mas Bill gostara demais de
conversar com ela e seus sentimentos foram sinceros. Bill leovu as mãos ao
bolso da blusa e tirou dali um par de brincos delicados com duas esmeraldas.
— Eu peguei algo que era seu, então...
quero que fique com isso — disse ele. — Pertencia à minha irmã, Velouria, mas
acho que vai combinar mais em você.
O coração de Tootie plapitou, seu
estômago encheu-se de borboletas que saíram voando. Nunca sentira nada parecido
antes. Virou-se para sua tia e mostrou os brincos, pois a Srta. Cléo sempre
fora apaixonada por apetrechos que realçassem sua beleza, e aquele par de
pedras preciosas seria o primeiro a chamar de seu. Tootie abraçou Bill e
prometeu usar os brincos para o resto da vida.
— E eu também não me transformo em um
dragão — disse o menino envergonhado. — Na verdade, eu viro um guaxinim.
Tootie riu com meiguice da declaração.
— Se quer saber, eu acho guaxinins mil
vezes mais legais do que dragões.
Amélia demonstrou alívio, afinal, toda
aquela situação fora contornada da melhor forma.
Foi quando elas puderam ouvir um grupo
de delinquentes que frequentava aquele parque ao anoitecer, rindo alto enquanto
percorriam o parque quebrando latões de lixo e assustando animais. Cléo trouxe
Tootie para mais perto, assim como Amélia fez com sua criança. As duas
apressaram o passo para longe dali.
— São tempos perigosos para tótines
andarem sozinhos — falou Cleópatra. — Siga-me.
As duas mulheres tentaram deixar o
parque o mais rápido que puderam, mas o portão principal estava fechado. Dois
homens cercaram a saída quando cinco outros indivíduos vieram logo atrás —
entres eles havia humanos, monstros e até geckos, todos com um interesse
incomum.
Não era a primeira vez que Cleópatra se
deparava com mercenários. Há meses ouvia relatos de desaparecimentos
constantes, tótines estavam sendo caçados por gente de má indole que visava
grandes quantias em pagamentos, Amélia inclusive suspeitava que a invasão em
sua casa fora de fato uma encomenda. Lembrava-se de seu marido ter relação com
um misterioso grupo chamado de A Ordem do Selamento, mas ela pouco sabia sobre
sua função.
O gecko de pele amarela que os liderava
sacou uma adaga e partiu logo para a negociação:
— Passem já para cá a Pérola Dourada.
Cléo revirou os olhos, sabia que havia
mais gente de olho em seus pertences enquanto fazia suas apresentações.
Qualquer que fosse o desafio, tinha que proteger Tootie e jamais poderia se
desvencilhar do único artefato que trazia alguma relevância para sua vida.
Com um giro rápido das mãos, as
esculturas de areia voltaram a assumir forma; Amélia fez o mesmo com seu
monstro de algodão.
— Podem ficar com o tesouro, o Doutor só
quer mais cobaias — respondeu um dos integrantes da gangue.
O homem com um bastão de aço foi o
primeiro a avançar de forma violenta, destruindo uma das esculturas de Cléo
enquanto a outra era golpeada no estômago na tentativa de proteger sua senhora.
Os poderes de Amélia revelaram-se úteis na fuga, pois seus inimigos não
conseguiam atravessar as nuvens de algodão que se formavam e acabavam ficando
presos ali dentro. Quando um dos assaltantes avançou por trás, as duas
precisaram se separar e suas crianças acabaram ficando desprotegidas. Um
terceiro homem tentou agarrar Tootie que gritava agoniada.
— M-me larga! Eu não quero ir! —
exclamou a menina sendo puxada pelo braço.
Uma cortina de fumaça formou-se ao seu
redor, ela gritou ao sentir alguém segurá-la do outro lado, mais
tranquilizou-se ao notar que era Bill. Os dois desapareceram juntos, estavam
invisíveis aos olhos dos criminosos que buscavam perdidos as crianças.
— Malditos sejam os tótines e sua
trapaça! — exclamou o gecko furioso.
Cléo e Amélia se viram cercadas e com as
costas reunidas, estavam em menor número e tinham as crianças para proteger, ceder
não era uma hipótese. O monstro de algodão foi esfaqueado de forma impiedosa
até que só sobrassem farrapos no chão, e nem mesmo os golens de Cléo puderam
aguentar até o fim do combate.
A atenção dos criminosos desviou quando
as luzes nos postes começaram a piscar. A iluminação precária do parque apagou-se
por completo, os bandidos ficaram dispersos e assustados, sem entender o que
acontecia. Ouviram gritos distantes de seus colegas, mas nenhum deles sabia contra
o que lutavam. Amélia sentiu o corpo estremecer, Cléo revelou um sorriso
discreto — o resgate estava a caminho.
Um a um os mercenários desapareceram,
como se consumidos pela escuridão. Uma nuvem de fumaça atrás do banco
denunciava que Bill e Tootie estavam escondidos ali, os pequenos foram correndo
para os braços de suas protetoras quando perceberam que era seguro.
— Só porque a festa estava começando a
ficar interessante? — disse Cleópatra.
— Diga por você — Amélia retrucou estarrecida,
sequer acreditava que sobreviveria mais um dia.
Quando as luzes nos postes se acenderam,
as duas mulheres se viram na súbita companhia de outros dois indivíduos — o
primeiro deles era um garoto invocado de jaqueta de couro, não devia ter mais
do que um metro e cinquenta, apesar de conseguir assustar só pelo olhar. Ao seu
lado estava uma mulher formosa com cabelos volumosos e pele escura, ela trajava
uma armadura leve e regata rosa claro. Sua arma era semelhante a uma lança alongada
de aço com detalhes entalhados, como as usadas por cavaleiros em combates medievais.
— Aonde todos aqueles caras ruins foram
parar? — perguntou Bill.
— Ah, eu só apaguei a luz e fechei a
porta do quarto. Sabe como é, crianças morrem de medo do escuro — brincou o sujeito
cheio de modéstia. — É um prazer encontrá-las aqui, senhoritas. Meu nome é
Black Jack, e sou o líder da Ordem do Selamento.
— Sempre aparecendo quando a festa está
para terminar, não é mesmo, Jack? — caçoou Cleópatra.
— Assim que é bom, não preciso ficar
cumprimentando ninguém — brincou.
— Elma, você continua esplêndida, uma
musa inspiradora!
— Obrigada, Srta. Cléo — agradeceu a
mulher com um aceno.
Amélia não pôde deixar de pensar o quão
baixinho ele era, até mesmo Bill era quase de sua altura. O assunto mudou de
repente, e ela se tornou foco das atenções.
— Ah, você deve ser a esposa de Gregor
Von Altenburg. — Jack retirou o chapéu em um gesto de respeito e fez sinal de
condolências. — Ficamos sabendo do ocorrido, e... me desculpe por não ter
chegado a tempo. Seu marido era uma influência magnífica, aprendi muito com o
velho... ele vivia me convidando para jantar com sua família. O que aconteceu
às suas crianças foi uma tremenda tragédia.
Amélia retribuiu a gentileza, mas não
pôde deixar de sentir certo desconforto ao saber que um completo desconhecido
parecia ter conhecimento de sua vida inteira. A própria Cleópatra agiu com
surpresa por não ter reconhecido que Amélia era a matriarca da família
Altenburg.
— Isso nos torna companheiras de
trabalho, não? — disse Cléo com um sinal convidativo. — Teremos muito a
conversar. Preciso de algumas dicas de como cuidar de crianças, porque você
teve cinco e eu mal consigo cuidar dessa danadinha que nem é minha — ela
apontou para Tootie.
— Eu poderia jurar que você era mãe dela
— Amélia brincou.
— Que Araya me livre de ter filhos!
A conversa foi interrompida quando Tootie
correu para abraçar Elma que a pegou no colo, enquanto Bill não sabia como
reagir em frente aos colegas de trabalho de seu pai.
— E aí, pestinha! Qual seu nome? —
perguntou Jack.
— Este é o meu filho mais novo, William —
falou Amélia.
— O herdeiro dos Altenburg. Você tem
futuro, garoto. — Jack deu-lhe um tapinha dolorido no ombro. — Me diz, quais
são seus poderes? Herdou a força de pedra do seu pai?
— Ele consegue se transformar em fumaça!
— disse Tootie como quem quer impressionar.
— Fumaça? Interessante, é possível
explorar técnicas furtivas com isso, nunca tivemos ninguém que trabalhasse nas
sombras dentro da Ordem — admitiu Jack, percebendo que o garoto o ouvia cheio
de admiração. — Tô falando sério, meu poder envolve escuridão, mas na verdade é
uma mistura da ausência de luz e eletricidade. Poderíamos formar uma bela dupla
juntos. Calma, Elma, não precisa ficar com ciúmes, eu não te trocaria por nada!
A guerreira revirou os olhos, mas não
escondeu um sorriso travesso.
Os dois trocaram olhares apaixonados por
tanto tempo que Amélia precisou perguntar:
— Vocês são... um casal?
Jack e Elma coraram de tal forma que
começaram a se atropelar nas próprias falas, dizendo coisas sem sentido e
tentando desviar do assunto. Elma, que mantivera a compostura até então, ficou
tão vermelha quanto uma maçã enquanto Jack ria sem parar.
— Qual é, a Elma é tipo minha...
minha... — Jack balançava a mão em busca da palavra certa que nunca veio. — Escuta,
é muito tarde para falarmos sobre isso. Nós temos pistas sobre o paradeiro da
Silenciadora.
— Então, vocês fazem parte de alguma
organização secreta ou coisa do tipo? — perguntou Amélia.
A guerreira ao lado manifestou-se:
— Digamos que sim. Seu marido nunca lhe
contou nada? — indagou Elma.
— Eu preferia me manter longe de seus
compromissos de trabalho. Foi uma promessa que Gregor fez para mim há muito
tempo: cuide das crianças que eu cuido de todo o resto.
— Nós vasculhamos a casa de vocês em
busca de pistas de onde se encontravam, a princípio pensamos que estivessem
mortos — Elma continuou. — Demos cabo de alguns arruaceiros que já tinham
invadido o lugar, mas não sobrou muita coisa... Quando demos conta da falta da
Pérola Sagrada, supomos que vocês tivessem fugido com ela.
— Gregor era o guardião da Pérola da
Fumaça, passada de geração em geração na sua família. É um tesouro inestimável
que não pode cair em mãos erradas — explicou Black Jack.
— A minha está aqui, guardadinha —
revelou Cleópatra.
Quando os olhos caíram sobre Amélia, ela
pareceu sem jeito.
— Mas eu não tenho pérola alguma. Ela
foi levada.
— A Silenciadora — Elma sussurrou
baixinho, como se até a pronúncia do nome dela pudesse invocá-la no recinto. —
Estamos no encalço dela há meses, essa mulher fez muitas vítimas inocentes. A
justiça da Ordem há de cair sobre ela!
— Não são tempos seguros para tótines
como nós — comentou Jack. — O governo não quer que essa informação chegue ao
povo, o que me faz crer que eles têm algum envolvimento. A mídia está tratando
os desaparecimentos como puro infortúnio, como se as vítimas fossem
responsáveis por “estarem em local de risco e facilitar o crime”. E eu tenho
vontade de esganar alguém toda vez que ouço uma merda dessas! Não está na cara
que estamos sendo caçados como se fôssemos animais?
Assim que deixaram o parque, o grupo
seguiu em direção à base improvisada da Ordem do Selamento. Bill estava ansioso
para conhecer o local onde seu pai trabalhara, talvez agora entendesse por que
ele voltava tão tarde para casa e até se conformaria que sua morte se devia a
uma ameaça maior, capaz de definir o destino de toda Sellure.
... mas o local nada mais era do que um
quarto alugado na Árvore Vigorosa, um bar/pousada mantido por uma doce velhinha
chamada Sophie. Eles só tinham dinheiro para alugar um quarto, Cléo e Tootie
aprontavam seus pertences enquanto Amélia analisava o ambiente — havia uma
mesinha rodeada por dois sofás confortáveis, três beliches que mal davam espaço
para transitar e um único banheiro. A Ordem do Selamento era composta,
basicamente, por aqueles que estavam presentes — não havia soldados
uniformizados, estandartes e nem salas de reuniões, para a decepção das
crianças.
— Espero que não se importem em ficarmos
um pouco apertados. Estamos meio curtos da grana esse mês — explicou Jack,
estirando-se na cama de baixo com os braços atrás da cabeça. — Não é fácil
viver sem uma base fixa.Você tem a sensação de que não pertence a lugar algum,
e nunca sente que está verdadeiramente em casa.
— Bom, se dinheiro é o problema, eu
tenho uma pequena quantia guardada na poupança — falou Amélia. — Não é muito,
mas espero que ajude.
Ela retirou da bolsa um selo mágico que
permitia acesso à sua conta bancária e deu para Jack. O líder da Ordem
arregalou os olhos ao descobrir a quantia que estava depositada e recusou
repetidas vezes qualquer oferta.
— Tá doida, mulher? Dá pra comprar duas
passagens para uma lua de mel em todas as províncias de Sellure todos os dias
do ano com essa quantia, e ainda vai sobrar! Com treze moedas de ouro já
garantimos a estadia para o mês o inteiro, é mais do que o suficiente.
— Desculpe, é só que... é tudo que
sobrou, e eu faria de tudo para dar continuidade a algo que era importante para
meu marido.
Jack saltou de sua cama, sacou uma das espadas
de Elma e parou em frente à Amélia.
— Ajoelhe-se.
Amélia trocou olhares com seu filho que
aguardava entusiasmado.
— Ajoelha logo, se não vai perder a
emoção! — disse Jack, dando uma tossida para limpar a garganta. — Devido o
falecimento de seu marido, eu, Black Jack, a nomeio como parte integrante da
Ordem do Selamento. — Ele tocou nos ombros dela com a ponta da espada, como se
lhe incumbisse um título. — Que de hoje em diante, até o fim de seus dias, você
viva para proteger aquilo que há de mais importante.
— As Pérolas Sagradas? — perguntou o
pequeno Bill cheio de entusiasmo.
— Também. Eu ia dizer os inocentes, mas
ia soar super cafona. Pensei em família, mas tem gente como eu que não conheceu
os pais. Há alguns que só possuem os amigos, e mesmo assim tem vezes que dá
vontade de esmurrar eles até a morte... ah, caramba, é a primeira vez que faço
isso e estou agitado! Não saiu nada como eu esperava.
Bill aplaudiu contente. Quando
crescesse, também queria fazer parte daquela Ordem.
— Você fez tudo com perfeição, querido —
elogiou Elma, dando-lhe um beijo na cabeça enquanto passava com cobertores e
travesseiros do armário.
— Nós vamos recuperar a pérola da sua
família — disse Jack. — O inimigo já está em posse de duas delas. Não posso
permitir que outras famílias sejam destruídas, muitos de nossos amigos estão
aprisionados em algum lugar, mas ainda tenho esperanças de que estejam vivos.
— Quer dizer que agora faço parte de uma
organização secreta? — perguntou Amélia.
— Exato. O nome não é maneiro? — disse
Jack cheio de empolgação.
— E o que preciso fazer?
— Sei lá. Sobreviver.
ii
Como Amélia se oferecera para bancar as
despesas, foram alugados outros dois quartos para que todos os integrantes
tivessem privacidade. Bill preferiu dormir no mesmo quarto de sua mãe, assim
como Tootie fez com Cléo.
Elma estava na varanda observando a
cidade silenciosa, temia que a Silenciadora ferisse seus amigos durante a
madrugada enquanto estivessem dormindo, por isso vinha encontrando dificuldades
em dormir. Ouviu alguém bater à porta. Vestiu seu roupão e foi atender.
— Opa — disse Black Jack como forma de cumprimento.
Ele segurava dois copos e uma garrafa de uísque. — Eu ouvi barulhos estranhos e
achei melhor vir verificar se você estava em segurança. Sabe como é, não posso
permitir que nada aconteça com minha oficial-chefe, você é o meu braço direito.
— É muita ironia um tótines capaz de
controlar a escuridão ter medo do escuro — disse Elma que sempre se divertia
com as desculpas esfarrapadas dele. — Vai. Entra logo.
Jack esparramou-se todo contente na cama
de Elma, mas admitiu também não ter sono pelo mesmo motivo. Havia muito a
planejar e gostava das madrugadas quando tinha um momento a sós com sua
companheira.
— Eu me divirto com todo mundo sempre
achando que eu sou um moleque — disse ele com os braços esticados. — Qual é, eu
tenho vinte e três anos, é que sou nanico!
— Deixe que pensem o que quiserem —
respondeu Elma, tocando o queixo do rapaz e roubando-lhe um selinho discreto. —
Já está gastando as economias da Ordem com bebidas caras? Jack, não era
necessário...
— Poxa, hoje faz três anos que estamos
juntos... Eu estava me martirizando por dentro, sem grana pra comprar qualquer
presente ou sequer arranjar um meio de te proporcionar uma noite agradável. Você
merecia o mundo...
Elma sentou-se ao lado dele na cama e
segurou sua mão, guiando-a até suas coxas enquanto fazia uma massagem lenta que
foi subindo aos poucos.
— Quer se divertir hoje?
— Não sei, estou um pouco tenso... — Jack
admitiu. — Não consigo dormir direito há algumas noites.
— Shhh... Está tudo bem. Estou aqui
agora — disse ela, aninhando-o em seus braços.
— Você me traz segurança — murmurou o líder
da Ordem.
— Uhum — Elma sibilou baixinho enquanto
se despia de seu roupão na frente dele. Estava no auge de sua beleza, vinte e
um anos, treinava todos os dias para se fortalecer, pois jurou proteger seu
parceiro de todos os perigos do mundo. — Eu sei como te acalmar, mas primeiro
precisamos cuidar disso aqui embaixo.
Elma esticou as pernas e sentou-se no
colo dele, levando as duas mãos de Jack até seus seios, massageando-os com
movimentos giratórios suaves que arrancaram um gemido fraco e apaixonado de sua
amante. Jack preencheu sua boca e Elma e o beijou devagar na nuca enquanto ia
para trás e para frente, sentindo o sangue ferver.
— Um dia quero te levar para a lua de
mel mais maravilhosa e inesquecível que já existiu — disse Black Jack deitado
na cama, em meio a suspiros. — Ouvi dizer que há um lugarzinho perdido entre as montanhas de
Perpetua conhecido como Pousada do Inverno. Quero passar frio e me esconder
debaixo da coberta com você, ficar olhando a lareira crepitar, beber chocolate
quente...
— Não se preocupe, sei outros modos de
te esquentar— assumiu Elma, beijando o pescoço dele e descendo cada vez mais.
Jack abriu o zíper da calça e tentou
conter um gemido quando sentiu a língua dela percorrer suas partes íntimas,
permitiu-se nos prazeres que ela oferecia, o cheiro de rosas e baunilha tão
característico dela. Elma parecia se deliciar, cada noite juntos era como uma
experiência inédita. Jack comprimiu o corpo quando atingiu o clímax,
pressionando a cabeça dela contra sua pelve. Elma aguardou até que ele
terminasse e engoliu seus fluídos, sorrindo de um jeito sensual como só ela
conseguia.
— Agora apague as luzes, Black — disse a
guerreira com a voz apaixonada. — É melhor que não esteja com sono, porque estamos
só começando.
Quando a situação estava para esquentar,
os dois ouviram uma nova batida à porta. Jack subiu o zíper da calça e Elma
agarrou seu machado do lado da cama. Ao atender, os dois se depararam com
Amélia ainda vestida de pijama.
— Desculpe incomodá-los a essa hora, é
só que... a Tootie sumiu.
Mano, eu na real não esperava por esse final, quem diria, hein? Quando o troço começa a ficar bom, vem a Amélia bater na porta e falar que a Tootie sumiu.
ResponderExcluirPois então, aqui tivemos a junção de tudo, desde a Tootie conhecendo o jovem Bill até o encontro de Cleópatra e Amélia para tratar do furto do mais jovem. Mais a frente tivemos ambas cercadas por pessoas desconhecidas que queriam a pérola que com elas estava, mas a aparição de Black Jack e Elma lhes salva na hora h.
Descobrimos que BJ e Elma são um casal e que já estão juntos a três anos, tal como vimos que eles sabem de muita coisa que vem ocorrendo, e que tem medo do que possa ocorrer depois.
Eu acho que vou parar por aqui o comentário, mano. Pois bem, mais um capítulo legal vindo de tu, brother!
Valeu e até depois!
HAHAH Esse finalzinho pegou todo mundo desprevenido, né? Acho que nem nos tempos de Sinnoh cheguei a descrever uma cena assim, sempre fiquei nas insinuações. Foi uma válida experiência, pena que não tenho coragem de colocar nada assim no livro, eu não saberia onde enfiar a cara se algum membro da família lesse kkkkkk Então é melhor concentrar isso só aqui no blog mesmo!
ExcluirCara, eu gosto demais do Bill e da Tootie, pena que todo o background deles não está em nenhuma parte do livro. Eu sempre quis contar como eles se conheceram, acho que consegui criar algo fofinho que ainda dê corda para que 8 anos depois os dois continuem tendo uma quedinha um pelo outro.
Elma também foi uma agradável surpresa, da integrante da Ordem que eu menos gostava, ela acabou dando a volta por cima para se tornar uma das beldades de Sellure! Vc vai se amarrar no desenho dela finalizado cara, um dia ainda quero refazê-la com uma cara mais de milf haha Fico feliz que tenha curtidoo Black Jack também mano, mesmo que a aparição dele seja bem limitada, acho que ainda renderia conteúdo pra muito Support aqui no blog! Valeu por comentar Napo, grande abraço!